segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Construindo a Autonomia do Aluno


              Autonomia significa uma espécie de liberdade moral e intelectual, que capacita o indivíduo a realizar suas potencialidades de maneira plena e – apenas em parte, é bom dizê-lo – sem depender dos outros para tanto.

Etimologicamente, a idéia encerrada na palavra consiste em criar e executar normas para si mesmo, sendo seu oposto a heteronomia – as normas que vêm de fora para dentro, criadas por sujeitos ou instituições estranhas ao indivíduo e que lhe são impostas por alguma espécie de coação.

Neste sentido, por exemplo, a Ética poderia ser definida como autônoma e o Direito, como heterônomo.

Quando se fala em construção da autonomia do aluno, portanto, quer-se apontar a construção paulatina desta capacidade, ou seja, a de desenvolver o senso crítico, a prática autodidática, o protagonismo na solução de problemas e no exercício saudável dos relacionamentos, a independência das autoridades exteriores.

De fato, o sistema de ensino praticado no Brasil (e por que não dizer na maioria dos países do mundo) deveras não contribuiu para tal grau de formação. O que Paulo Freire chama de “educação bancária” (o interminável “depositar” unilateral de conhecimentos no indivíduo, aguardando o “saque” na hora crucial da avaliação – mero feedback do próprio orgulho docente e morte lenta e gradual da verdadeira inteligência discente) é justamente a barreira gigantesca erguida entre o inicial entusiasmo do estudante e a tão sonhada autonomia.

Décadas de regime militar fizeram desta abordagem pacificadora e limitadora de direitos ao extremo algo útil e estimulado pelas estruturas políticas e sociais, mas, em pleno século XXI, tornou-se um anacronismo.

Mercados competitivos, reengenharias de gestão e a tão apregoada imprescindibilidade do empreendedorismo no profissional contemporâneo tornaram novamente necessária uma certa autonomia do estudante, agora cidadão em exercício, agora trabalhador de visão holística do empreendimento, agora gestor de conflitos e diferenças, adaptado à rápida tomada de decisões.

Como então desenvolver aptidões tão negligenciadas, no contexto de nossas escolas?

Ora, será mais uma vez o indispensável Paulo Freire a apontar as possíveis direções.

Em sua já clássica obra Pedagogia da Autonomia, o mestre pernambucano ressalta a verdadeira prática docente como fundamentada em vinte e sete saberes necessários, quais sejam: rigorosidade metódica; pesquisa; respeito aos saberes dos educandos; criticidade; estética e ética; corporificação das palavras pelo exemplo; risco e aceitação do novo, rejeição a qualquer forma de discriminação; reflexão crítica sobre a prática; reconhecimento e assunção da identidade cultural; consciência do inacabamento; reconhecimento de ser condicionado; respeito à autonomia do ser do educando; bom-senso; humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores; apreensão da realidade; alegria e esperança; convicção de que a mudança é possível; curiosidade; segurança, competência profissional e generosidade; comprometimento; compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo; liberdade e autoridade; tomada consciente de decisões; saber escutar; reconhecer que a educação é ideológica; disponibilidade para o diálogo; querer bem aos educandos.

No que concerne mais especificamente à autonomia do ser do educando, o que se levanta é a condição sine qua non para atingir este objetivo: a consciência de se saber um ser inacabado – posto que, além de biopsicossocial, um ser histórico – torna-nos a todos seres mais éticos. E seres assim éticos observam a dignidade e a autonomia do outro (leia-se aqui o educando) como um imperativo categórico, e não como um favor que se lhe concede.

Desta forma, a própria raiz de rebeldia – aqui entendida numa acepção construtiva e ética de rebelião contra qualquer forma de discriminação ou determinismo histórico – deve ser incentivada e amadurecida, sempre dentro de um processo dialético de construção do conhecimento.

A própria ideia de um conhecimento dialeticamente construído pressupõe o papel de um docente portador de humildade, empatia e visão ampla sobre o futuro de seus alunos.

Nas palavras do eminente pedagogo, “a dialogicidade verdadeira, em que os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo no respeito a ela, é a forma de estar sendo coerentemente exigida por seres que, inacabados, assumindo-se como tais, se tornam radicalmente éticos”.

Este constante vir a ser ou Ser Mais é justamente a característica que não pode ser conspurcada no ser humano, posto que consiste no próprio amadurecimento constante que leva à autonomia.

Por fim, quanto às formas de se atingir a difícil meta na prática, inúmeras são as iniciativas, marcadas pelo êxito, que foram empregadas para construir a autonomia nos alunos – desde crianças até pós-graduados – mas sempre levando-se em consideração os conhecimentos prévios dos educandos, sua capacidade de raciocinar de maneira crítica e responsável e suas inclinações e preferências pessoais, sem contudo, jamais, excluir o papel do professor como orientador nesta interminável jornada de autoconstrução, em que ensinar e aprender não são papeis estanques e predeterminados, mas um fluxo constante de trocas e de contribuições muito válidas.


REFERÊNCIAS:

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 48. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa . São Paulo: Paz e Terra, 2011.