segunda-feira, 12 de novembro de 2018

IDEALISMOS



Sócrates discutia a Justiça na Ágora
Mas deixava mulher e filhos sem comida.
Platão e Aristóteles, mui virtuosos,
Discutiam a pólis e sua vida,
Mas não gostavam lá muito de pobres...


Agostinho, no início,
Na igreja prestava mais atenção às menininhas
Do que ao presbítero que pregava,
E clamava, em orações mesquinhas:
“Converte-me, Senhor, mas não agora!”


Nos púlpitos mui cristãos das igrejas europeias
Pregava-se a 2ª Epístola a Timóteo
Pra justificar os horrores das Cruzadas,
E fazendo ainda mais imbróglio,
Nos púlpitos mui cristãos da África do Sul
E do sul dos Estados Unidos da América,
Pregava-se, em Gênesis 9, a maldição de Cam,
Pra justificar a escravidão e depois o apartheid,
Como se houvesse uma lídima doutrina sã
Que pudesse hermeneutizar o abate.


Michelangelo pintava cenas mui santas
Nos tetos da Capela Sistina
E gastava os rendimentos em tabernas tantas,
Financiado pela máfia de abutres dos Médici.


Rousseau muito refletiu sobre a educação
E entregou os cinco filhos pra adoção.


Marx sempre criticou a exploração do trabalho,
Mas nunca de fato trabalhou,
Todo o dinheiro da mulher torrou,
Engravidou a empregada
E mandou Engels criar o pirralho.


Não sabeis quantos mortos, mutilados, órfãos e viúvas
Deixaram as inúmeras revoluções?
E quantos suicídios e viciados em ópio, em absinto,
Deixou o Romantismo em suas elucubrações?


Ou quantas doenças sexualmente transmissíveis,
Gravidezes indesejadas, seringas contaminadas,
Overdoses não planejadas e famílias destroçadas
Não deixaram para trás os alegres hippies?
Ou quanto lixo industrial, tecnológico, e carcaças
Não deixa pra trás o sonho de consumo dos yuppies?


Ó jovens de todo o mundo
Que o mundo quereis mudar,
Começai ajudando mamãe a fazer faxina
E papai na lojinha a labutar!
Antes de querer alterar o universo e sua sina,
Começai a difícil arte de amar o próximo,
De não deixar a gentileza virar fóssil,
De ter compaixão do pobre que vos toca a campainha!


sábado, 10 de novembro de 2018

SONETO MUITO ÉTICO


Eu queria amar com amor EROS, como esses namorados
Eternos, que sobrevivem cotidianos conjugais.
Eu queria amar com amor PHILOS, como são poucas almas,
Gêmeas, fieis, que caminham amizades espirituais.


Eu queria amar com amor STORGE, tão familiar e nobre,
Tão cuidadoso, terno, paternal, protetor, longânimo,
Que maior só seria amar com amor ÁGAPE – o mais forte,
Desprendido, incondicional, divinal e mui magnânimo!


Mas pode habitar no ser, de carne, finitude e temor,
A fortaleza, a temperança, a justiça, mais a prudência,
Acrescentando ainda a fé, a esperança e o amor?


Num espírito que sequer sabe se deve escolher ser
Deontológico, teleológico, teológico
Ou neurológico, nas veredas por onde tenta viver?


SONETO DO CALENDÁRIO



O ano começa co’as duas faces de Janus
E cai na Februália dos mortos tão tristes,
Depois desfilam de Marte os mui rubros panos
E se abrem as mil pétalas com Afrodite.


Maio, a fértil necessária mãe de Mercúrio,
Juno, a deusa-rainha dos partos augúrios,
Julius, o quase imperador assassinado,
Augustus, novo imperador deificado.


Então se segue com setembro e com outubro,
Depois vêm novembro e dezembro, fim de tudo.
Um dia do sol ou do Senhor, e o da lua,


Mais um de Tyr, outro de Odin, outro de Thor,
Depois Freya, então Saturno ou sabá maior,
Mas Portugal é dia de feira de rua.