terça-feira, 19 de janeiro de 2016

SOBRE PEANUTS...




Hoje fui ver o Peanuts!



Boa parte da crítica não foi lá muito acolhedora. Nem com a boa vontade de Craig e Bryan Schulz – respectivamente filho e neto do cartunista Charles, criador dos icônicos personagens – em aceitar reviver a saga, assumindo o roteiro, ainda que sem experiência para tanto. Nem com a tecnologia empregada na obra, que une o melhor das técnicas de animação por computador com os traços típicos das tirinhas. Nem com a onda de saudosismo que invadiu a muitos de nós, ao finalmente poder rever o eterno inseguro e fracassado Charlie Brown, o psicótico beagle Snoopy e seu agitado companheiro passarinhesco Woodstock, a carrancuda Lucy que não pode ver ninguém brilhar, a divertida e esportiva Patty Pimentinha, a nerd Marcie, o porquinho Pig Pen (ou “Chiqueirinho”, protótipo do Cascão de Mauricio de Sousa), o introvertido Schroeder tocando Beethoven ao piano, a pequena Sally – irmã de Charlie Brown, sempre apaixonada por Linus – o irmão de Lucy, que vive num apego quase winnicottiano ao seu cobertor azul.


Ainda na fila, perguntei-me se realmente estava no lugar certo, rodeado por tantas crianças acompanhadas de pais e tios, que não sabiam mais o que fazer com tantos pequenos em casa depois de um mês de férias...


A história de fato não apresentou nada de mais. Os sonhos grandiloquentes de Snoopy lutando nos ares contra o Barão Vermelho, as inúmeras tentativas de Charlie Brown em se aproximar da inatingível Menina de Cabelo Ruivo...


Temas inesquecíveis do fusion jazz de Vince Guaraldi estavam na trilha sonora, a voz dos adultos transformadas em monótonos tons de tuba também...


A diferença é que agora há mais uma ponta de esperança. Isso eu já esperava: esses narcisistas da geração Y e Z não iriam suportar o humor ácido do looser baby boomer Charlie Brown de antigamente...


Mas, além da sensação de “quero mais” que o longa de 90 minutos nos deixa, há uma ponta de antiga melancolia que também fica, apesar dos mascaramentos amenos. Schulz era um artista do amargor, a meu ver tão pungente quanto Vittorio di Sica ou Schumann. São artistas que produzem notório prazer estético, mas deixam um gosto de lágrima no final, um gosto que engrandece a alma, mas aperta o coração.


E neste universo de testes enfadonhos, recreios tensos, sanduíches de manteiga de amendoim, primeiras desilusões amorosas e um eterno sentimento de inadequação, o que buscamos, se não algo que ficou perdido entre a infância e a adolescência, algo que foi soterrado, mas que de quando em quando desperta bem lá no fundo?







sábado, 9 de janeiro de 2016

DESVENTURAS DE UM PROFESSOR DE ÉTICA



Não, não é desabafo, não é vitimização, não é só um dia pra curtir uma fossa. Não é um manifesto, não é uma jogada de marketing pessoal, não é um planejamento estratégico, não é nada disso.

É que de repente eu me pus a pensar (e não disse Sócrates que a vida não refletida não vale a pena ser vivida?) e vi um flashback nos miolos acerca do que me propus a fazer neste mundo.

Quando ainda muito menino, gostava de vagar sozinho, ouvir Beethoven, Chopin, heavy metal, rock progressivo e Frank Sinatra. Lia o Hamlet, lia o Werther, uns versos melancólicos do Romantismo, uns outros de troça e de crítica social do Modernismo e pensava que o mundo pós-moderno (eu ainda não sabia que ele se chamava assim) já tinha perdido o bom gosto há muito tempo e caminhava a passos largos para a autodestruição.

Quando percebi que quem caminhava a passos largos para a autodestruição era eu, resolvi tomar jeito. Vamos tentar fazer amigos, fazer terapia, abandonar amores platônicos, empreender uma busca espiritual, não é?

Passei pela filosofia oriental, pelo evolucionismo de Bergson e de Kardec, pelo mundo afro-brasileiro, pelas matrizes católicas, pelos existencialistas, pelos niilistas, pelos desesperados. Encontrei-me (ou melhor, encontrei-me com Deus) no cristianismo protestante, mais precisamente em sua teologia de matiz calvinista, presbiteriana.

E como cristão, aprendi desde logo a não ter ilusões sobre o homem: criatura caída, rebelde contra Deus, manchada e distorcida pelo pecado. E, claro, se isso se aplicava aos outros, também se aplicava a mim.

Aprendi que, justamente por isso, os esforços do homem em direção ao seu Criador são inúteis, dependendo sua redenção de ato gracioso e unilateral de Deus – sola gratia (Só a Graça), já dizia Lutero – humilhante para a arrogância humana, verdade profunda para quem já chegou ao fundo do poço, fundo este que, se você ainda não conheceu, um dia conhecerá, e agradeça por conhecê-lo, pois creio que o homem não aprende o que significa o homem se não conhece o poço, a “noite escura da alma” de São João da Cruz, o “abismo por dentro do exato tamanho de Deus” de Santo Agostinho.

Aprendi também que isso tudo não é desculpa para viver irresponsavelmente – justamente do que nos acusam aqueles que creem na salvação do homem por seus próprios méritos – mas para viver de acordo com sua nova vida, a vida que ama porque se sabe amada, incondicionalmente amada.

Mas é aí que surge em cena o grande problema, porque a sombra que contamina, o impulso do que destrói tudo que é belo, sempre estará ali, às vezes mais forte, às vezes mais fraco, dependendo do cão interior que você resolver alimentar mais, como já disse algum monge medieval

E quanto aos momentos de dúvida, de espanto, de aguerridas lutas, de dor e de injustiça? Sim, porque nem tudo será um canto alegre de certeza, mas será preciso aceitar que muito não se sabe – às vezes nunca se saberá – e do lado de cá do mistério cabe trabalhar com as mãos que nos foram dadas e o resto colocar nas mãos de Deus, orar, porque oração é entrega: ora et labora (ora e trabalha!) já disse São Bento à sua ordem de monges no século VI.

Foi então com essa armadura, já jovem adulto, que eu saí para enfrentar o mundo. E que mundo!

Apaixonado pelas letras, passei raspando pela Literatura e caí nos bancos do colateral Direito: parecia uma boa ideia, juntar uma ciência que se ergue sobre o poder da palavra e ainda guarda como ideal-mor a Justiça, não é mesmo?

Pois bem. Agora só precisávamos constatar como de fato se construía a justiça do homem.
Em primeiro lugar, há que se perguntar que raios é a Justiça, já que, em se tratando de valores morais presentes em dada sociedade e levando-se em conta que o homem contemporâneo (pós-moderno, que é mais chique) não mais aceita absolutos, não se pode tratá-la senão de modo relativo.

Recorramos então aos sábios, os “amantes do saber”, filósofos, como Pitágoras os chamou. Ora, Sócrates percebeu sua ignorância fundamental e a necessidade de buscar a sabedoria e a virtude, num processo sem fim. Seu discípulo Platão ficou horrorizado ao ver seu mestre ser condenado à morte por causa da verdade (ah, isso nós cristãos conhecemos bem!) e descrendo totalmente deste mundo, empurra para um “mundo das ideias”, fora e além daqui, todos os valores, onde estarão dentre outros o Bem e a Justiça! OK, OK, mas o que fazer aqui, vivendo em nossos corpos (a “prisão da alma”, como ele disse), se inclusive não aceito sua aristocrática e determinista República de filósofos?

Sigamos então por Aristóteles, que cansado dos sonhos de seu mestre Platão, resolve fincar bem seus dois pés no chão e pensar mais sobre ciências naturais do que sobre conceitos metafísicos. Agora a ética é um exercício e a virtude é um meio-termo. Pois bem. Sensato, seco, direto e árduo – como quase tudo em Aristóteles – mas de um realismo irretocável.

Mas aí é de se perguntar quem de nós é capaz, já que (estava me esquecendo de dizer) o homem pós-moderno também é preguiçoso e imediatista, um banana, um fast food existencial!

Pulando toda a Idade Média – já falei de religião aqui – aportamos na Revolução Científica, que nasce nos átrios das universidades fundadas pela Igreja e, antes de cuspir no prato em que comeu, tenta separar o que é campo do homem do que é campo de Deus (uma inconsistência lógica, se se crê na onipresença e onipotência de Deus, mas sigamos, como mero exercício racional...). Agora se começam a abandonar as quimeras de cidades perfeitas para o bicho-homem viver (a Utopia de Morus, a Cidade do Sol de Campanella) e a sátira desfigura o sublime: Dom Quixote, Gargântua e Pantagruel, os reis sanguinários de Shakespeare...

Maquiavel fratura o mundo entre virtudes pessoais e razões de Estado – as últimas justificando tudo e se configurando totalmente incompatíveis com as primeiras.
Hobbes exagera na “depravação total” do calvinismo, e, enxergando lobos em homens, defende o “escreveu não leu, o pau comeu”. Bodin, Bossuet e outros não ficarão atrás e darão todo poder ao rei, esse que é escolhido pelo próprio Deus com a missão de botar ordem na Terra!

Mas que reis! Tão podres quanto a maioria de seus súditos, começam a erigir seus impérios de terror, impérios que atravessam mares e trucidam povos dantes desconhecidos.

Não seria estranho, sabendo-se do caráter esquizofrênico do ser humano, que este seria levado, em seu eterno movimento de pêndulo, a trocar a segurança pela liberdade, o universal pelo individual, a fé pela razão.

Iluminados! Sim, é o que se achavam! E todo o resto, automaticamente, era trevas...
Críticas a tudo, uma fé, mais cega do que a medieval, na ciência e na reforma política dos homens, revoluções burguesas, liberdades clássicas!

Não que não haja aí também muito de bom, mas, de novo, os pobres (bucha de canhão da Revolução) foram empurrados às margens!

Às margens não: às cidades imundas e às fábricas insalubres. O que ditava as normas do mundo agora era um utilitarismo ético sem precedentes, mascarado de liberdade, que engordava com o lucro, e o número de mortos podia se contar muito acima dos extermínios dos antigos reis.

Quem sabe se porque agora, num Estado laico, republicano, de Direito e burocratizado, o mal não esteja pulverizado em milhares de funcionários anônimos que apenas cumprem ordens que saíram pela primeira vez sabe-se lá de quem? Não foi isso que percebeu Hannah Arendt sobre os carrascos nazistas julgados em Jerusalém?

Reações não tardaram. Socialismos – não só aquele, mas vários! – brotavam dos proletários da Europa. Contra ou a favor destes, o século XX veria nascerem as guerras, sempre em nome do melhor, sempre resultando no pior!

Talvez, porque, de fato, não se poderia confiar nos homens. Nesse ponto até o anjo caído concorda, pois embora seja “o pai da mentira”, nisto não há como esconder.
Quem sabe então jogar a toalha? Achar que estamos sós diante do abismo, diante do nada? Tão Nietzsche, tão Sartre, criar nosso próprio caminho, sem se importar se alguém está nos seguindo ou se está precisando de nós?
Ou quem sabe, nesta moda de sustentabilidade, temendo a crise hídrica e o aquecimento global, não devamos nos tornar “humanos”, numa enorme ética comunitária de irmãos que abraçam a grande Mãe Gaia?

Pois bem, se o caro leitor me acompanhou até aqui, deve ter entendido um pouco sobre o que à época (e ainda hoje) me atormentava.

Estudando, estagiando, ganhando pouco, gastando ternos e sapatos, formei-me advogado.
Entendi o básico dos milhões de leis de uma nação hipernormatizada, que ainda acredita resolver seus problemas criando leis novas numa estrutura que sequer consegue cumprir as antigas, e fui jogado no recheio do sanduíche entre tal sistema que tenta manter alguma aparência de justiça e um povo que não guarda qualquer simpatia por regras ou obediência a quem quer que seja.

Mantive-me longe do Direito Penal (quem sabe assim nunca defenderia criminosos...), longe do Direito do Trabalho (quem sabe assim nunca impediria um trabalhador de receber seus lídimos direitos ajudando empresas ávidas por lucros...) e longe do Direito Tributário (quem sabe assim não me enojaria com o apetite descomunal do Fisco por dinheiro dos pobres cidadãos que eram obrigados a sustentar esta máquina opressora e corrupta, atravancando o crescimento econômico...), e desta forma escolhi o Direito Civil (esse arcabouço gigante, diretamente derivado dos romanos, que tudo abarca e influencia: da família ao inventário, dos contratos às empresas, da propriedade às indenizações).

Estava moralmente neutro, certo? Errado! Cedo aprendi que nunca estamos moralmente neutros, mesmo quando escolhemos a omissão (que me perdoem os cínicos e ceticistas, mas é verdade).

E cansado de ver ambientes de guerra (escritórios ninhos de cobra), chefes neuróticos que só sabem erguer-se diminuindo os demais (gestão do porrete, coaching assédio moral) e de reproduzir recursos processuais que em nada acrescentariam (resolver ou procrastinar?), decidi que era novamente uma hora para mudar de vida, e virei a mesa.
No passado fugi das Letras para não virar professor, mas meu fim foi esse mesmo: virei professor! Professor de algumas disciplinas de Direito, de Administração de Empresas, e, principalmente, da minha matéria favorita: Ética.

Seu nome oficial no ensino técnico era Ética e Cidadania Organizacional. E caberia a mim refletir com os alunos sobre isso.

Primeiro, vi que era preciso desmistificar a ética. A ética virou um mito ruim, uma palavra oca e mil vezes repetida (geralmente com os propósitos errados) como “amor” nos lábios da meretriz ou “honestidade” nos lábios do político.
Depois, vi que era preciso achar algo de perene em meio ao que é relativo, e traduzir tal importância a uma audiência de homens e mulheres pós-modernos, por mais démodé que isso pareça.

E, por fim, deveria fazê-lo num país chamado Brasil, fundado sob a monarquia patrimonialista portuguesa, tornado republicano em coronelismos regionais, treinado rapidamente e à força para o desenvolvimento do capitalismo mais selvagem, mergulhado num mar de desigualdades e ausências de infraestruturas, acalentado numa cultura ociosa e protelatória, jogado contra os rochedos por uma esquerda ignorante, fanática e belicosa que não enxerga um palmo à frente do nariz e por uma direita saudosa de um passado que nunca existiu e que não enxerga ninguém além do próprio umbigo.
Já ouvi que a matéria era inútil, que é um belíssimo meio de encher linguiça, que é um componente anacrônico da grade curricular, que é interessante, mas impossível na prática, e até mesmo que não tem função técnica real, ou não traz dividendos para a organização empresarial.

E também já vi gente interessante, viva, entusiasmada, cheia de sonhos, mas que voltava desamparada, depois de levar por aí tanto tapa na cara de um mundo de lobos e serpentes, um mundo que privilegia o pior e lhe chama melhor, e está sempre pronto a nos rotular de atrasados, sonhadores, fundamentalistas, contraproducentes, ressentidos...

Muitas vezes pensei se não era hora de pendurar as chuteiras, se a luta não era inútil (veja bem que a ética pode significar luta contra outros, mas é principalmente luta interna...). Mas havia algo que me impulsionava, mesmo que em modo standard de preservação de energia mínima. É uma convicção, já sofrida, já surrada, de alguém pertencente a uma geração que já não sonha com revoluções utópicas que vão mudar o mundo, mas com o trabalho pequeno e possível, um passo por dia, um dia de cada vez, em direção ao que já é, ao menos, melhor do que ontem. São passos que não ignoram os obstáculos, nem a existência de tropeços, mas sabe que seu dever é andar para frente. Sim, dever, essa é a palavra, mesmo com Kant estando fora de moda, há imperativos categóricos neste mundo, e o principal deles é: viver com ética e com amor, não importa o preço!




A MENINA ESTOICA E O MENINO EPICUREU




Vi nestes dias, num dia de chuva de verão, dois pequenos irmãos a andar pela rua.
Rua de bairro, com poucos carros, destas que convidam os desavisados a desprezar as calçadas.

Tratava-se de um menino e de uma menina, a menina mais velha e condutora, o menino caçula e muito mais à vontade.

De repente, o moleque larga de vez a mão da irmã e sai – instinto universal de Gene Kelly, que poucos têm coragem de realizar – a sapatear sobre poças deixadas pela tempestade recém terminada.

A irmã entra em pânico, gelada, branca, com o peso da espada de Dâmocles sobre a cabeça, a provar que o poder só é um peso a carregar pelos outros e que se compensa, às vezes, com o sadismo secreto de vingar-se neles com gosto.

De certo que a mãe lhe incumbira de zelar pelo mais frágil – ó bela missão que corrói a qualquer um... – e ai dela se chegasse em casa com o irmãozinho neste estado. E se pegasse um resfriado então?

Começaram daí os gritos: – Para com isso! A mamãe não disse que você ia apanhar se fizesse isso de novo? Olha a sua roupinha nova! Nunca mais ajudo a te comprar nada!!!

A roupinha nova, os tênis e seus cadarços, as unhas limpas, as máscaras e os embustes! Ah, tudo que tolhe, tudo que esconde, tudo que impede... O menino mandava tudo às favas!

E a menina, fiel zelador ordenado por imposição de mãos e rito escocês da maçonaria pela própria mãe, guardiã da ordem e dos bons costumes, presa entre o ódio, a decepção e a impotência...

Não me pareceu nada de diferente de outras histórias. De mim e de minha irmã mais velha no passado. Da minha esposa e de seu irmão mais novo muitos anos atrás. E de tantos milhões que assim devem ter sido pelo mundo.

Mas eu me pus a pensar se eles continuariam a crescer assim e em que rumo tomariam em suas vidas. Seria a menina uma estoica convicta, tudo suportando e elegendo os outros como prioridade, enquanto sua couraça a acastelaria num mundo de virtudes e mofo?
E o menino? Um epicureu desnaturado, guiado pelo cio insaciável dos prazeres e – injustiça das injustiças, e por isso mesmo tão comum – o único dos dois a se dar bem na vida, passando a imagem de leveza e sociabilidade que todos queriam ver e recusando qualquer peso, como o atleta que corre só para o alvo que lhe interessa, mandando ao inferno tudo que acontece ao seu lado?

Talvez. Ou talvez não sejam mais do que pessoas medíocres e comuns, como a maioria de nós, a ter os dois dentro de si, brigando como trevas e luz, e sempre se sentindo culpados por qualquer dos dois que ganhe a luta (temporariamente, frise-se bem...).
E foi então que a mãe chegou. Ralhou com os dois, distribuiu puxões de orelha, a um por incompetência, a outro por insubordinação.

Depois de averiguar a história, exercendo o contraditório e a ampla defesa, houve por bem comprar um doce, um doce só, só para a menina. O recurso de apelação do menino, com direito a choro, blasfêmias, orações imprecatórias e uma baita falta de compostura, não renderam o esperado resultado de reforma da decisão, mas atraiu olhares curiosos e estampou um sorriso disfarçado de contentamento satânico na menina.


Quando chegaram em casa (ao menos é o que imagino), a mãe contou pormenorizadamente ao pai todo o ocorrido, o pai ouviu atentamente, fez coro de tragédia grega ao recital da mãe, deu um parabéns frio e solene à menina (mas sorriu apenas para o menino, quando ninguém estava olhando...).