quarta-feira, 24 de março de 2021

GEORG FRIEDRICH HÄNDEL

“The Kingdom of this World is become

The Kingdom of Our Lord and of His Christ,

And He shall reign forever and ever!

King of Kings and Lord of Lords!

King of Kings and Lord of Lords!

Forever and ever, Hallelujah, Hallelujah,

Hallelujah!”

                (Do oratório “Messiah” - 1741)

           


Natural de Halle na Alemanha,

Superstar em Roma, Nápoles e Veneza,

Instalado definitivamente na Corte Inglesa

De George II, George I e Ana.

 

Diretor em Londres da Real Academia de Música;

Compositor de óperas: “Almira”, “Rinaldo”, “Xerxes”, “Ácis e Galateia”.

Sua “Música Aquática” desfilava sobre o Tâmisa,

Mas o público, mais e mais, cansava de suas melopéias...

 

Cheio de dívidas, obeso e glutão,

Celibatário, para alguns maníaco-depressivo,

Para outros, um grande humorista bonachão,

Levava a sério seus dotes com tom incisivo.

 

E pensar que seu pai, barbeiro-cirurgião,

E seu avô, pastor luterano,

Nunca viram com bons olhos sua vocação:

Só a mãe, às escondidas, incentivando,

Dava-lhe instrumentos escondidos no sótão,

Que foram a única alegria depois de órfão.

 

Mesmo com o pai morto, sua sombra permanecia:

Georg cursa Direito, última vontade do falecido.

Mas por óbvio que seu pendor não emudecia

E em Hamburgo, imberbe, toma do violino.

 

Em Lübeck, disputa um cargo de organista

Com Johann Mattheson, outro compositor,

Surgem rusgas de suas excentricidades de artista

E acabam num duelo de espadas, de etílico torpor.

 

Não fosse o botão do casaco roto

A desviar o golpe certeiro, ao peito, da lâmina,

E não teríamos hoje o mestre barroco

Dos anglo-saxões e sua flâmula,

Que mesmo endividado e desprezado,

Compunha oratórios como um condenado

Que quer diminuir sua pena, escravizado

Ao mundo secreto de sua espiritual campânula.

 

Quando rascunhava “O Messias”, sua obra-prima,

Ao surgir-lhe a idéia do magnífico “Aleluia”,

Perguntou se estava fora do corpo ou acima

Enquanto tão altiva melodia compunha.

 

Ao ouvi-la, à prima vez, o Rei Jorge

Levanta-se em sinal de respeito

E até hoje a tradição tem suporte:

Só se ouve o “Aleluia” desse jeito.

Handel também morreu cego como Bach,

Não deixou cônjuge nem herdeiros,

Mas deixou um mundo sonoro a se admirar

Carregado da realeza de um trompete alvissareiro.   

 


 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 23 de março de 2021

JOHANN SEBASTIAN BACH

Órfão aos 10 anos, criado pelo irmão,

Debruçado ao órgão, ao cravo, ao violino,

Na igrejinha luterana, os joelhos em oração,

Ou – sua maior e tresloucada devoção –

Dos dedos-raízes às teclas,

Das cordas-carícias aos hinos,

Dos ouvidos atentos aos anjos sibilinos.

 

Casado co’a prima Maria Bárbara: sete filhos;

Viúvo aos 35, casado com Anna Magdalena,

Com metade da sua idade: treze filhos;

Em meio aos choros e cueiros, o tinteiro e a pena,

A despensa é efêmera, mas o talento é perene:

Haja paciência, haja dinheiro, haja pênis!

 

O duque Wilhelm não lhe dá valor,

O príncipe Leopold sim, mas paga menos,

O conde Hermann sofria de insônia:

Só sua música lhe devolvia nervos amenos.

Ninguém sabia ainda que o prodígio da Saxônia

Traria ao mundo a Tocata e Fuga em Ré Menor,

A Paixão Segundo São Mateus, a Ária na corda Sol,

Jesus Alegria dos Homens, o Cravo Bem-Temperado,

Os Concertos de Brandenburgo, o Minueto em Si Bemol.

 

Morreu cego, mereceu uma nota de rodapé num jornal.

Ficou esquecido até Mendelssohn trazer-lhe à luz do dia,

Mais de um século depois, num festival.

Se não, conheceríamos sua harmonia

Que fundou os princípios tonais da música ocidental?  

 

Quantos aprenderam, canhestros, o piano

No Pequeno Livro de Anna Magdalena Bach?

E não disse o filósofo amargo e poeta ateu

Emil Ciorán, que odiava a todos e a Deus,

Que a única coisa que amava no Cristianismo

Era a música de Johann Sebastian Bach?

 

Se queres uma prece sincera em forma de música,

Se queres conhecer o êxtase em empírea acústica,

Tenta ouvir calado o humano trinado do Mestre de Eisenbach!




JOHN MILTON

 “Coros, que o trono me cercais! vós, anjos,

Cuja missão se malogrou no Mundo!

Não vos magoeis nem perturbeis co’os casos

Que, ocorridos na Terra, não podiam

Obstados ser por quanto zelo houvesse.

Profetizei-os em detalhe exato

Quando esse tentador, a vez primeira,

Vindo do Inferno, atravessou o Caos:

Disse-vos que ele em seu atroz projeto

Prosperaria, alcançaria a palma;

Que, lisonjeado e acreditando enganos,

O homem contra seu Deus seria iluso:

Sucedeu tudo assim. Por meu decreto

Não se fez necessária a queda sua,

Nem seu livre querer foi compelido

De modo algum: senhor de arbítrio próprio,

Pôde muito a seu gosto encaminhar-se.

Pecou: agora que fazer me cumpre

Senão impor-lhe à transgressão a pena

Que é destinada por sentença, a morte

Para o dia da culpa? Ele imagina

Fantasma vão a morte que não sente,

Como temia, por um pronto estrago:

Minha paciência, do perdão diversa,

Findará breve, finda antes da noite:

Minha bondade desprezada sofre,

Minha justiça desprezada pune.

Mas a quem mandarei para julgá-los?...

A quem, senão a ti, Filho dileto,

Que reinas junto a mim? Juiz te declaro

No Céu, na Terra, no Orco. Está bem visto

Que eu, do homem te incumbindo o julgamento

(Tu mediador, amigo, amparo do homem,

Que seu resgate e Redentor ser queres,

Que a ser Homem como ele te destinas),

Quero, em obséquio a ti, por ter dó dele,

À justiça juntar misericórdia”.

 

 Paraíso Perdido – Livro X

 

 

Eras puritano e mestre das artes,

Fora secretário de assuntos externos de Cromwell,

Consentira com a decapitação do Rei,

E produzias escritos salutares.

 

Em pleno século XVII defendias o divórcio

E não crias que os mortos dormem

Ou que já aguardam no Céu ou no Inferno

Co’um corpo ressurreto seu final consórcio,

Mas sim que os finados sonham, o real lhes some,

E os ímpios só têm pesadelos como troféu.

 

Não crias no que se dizia comum ou salutar

– Eras de fato um calvinista bem peculiar –

 

Perseguido depois, co’a restauração monárquica,

Já cego diante de teus livros, como um Jorge Luis Borges,

Cruel ironia e pesada sina atávica,

Deste aos anglos versos épicos e fortes.

 

Alguns a chamam quase uma segunda Bíblia,

Mas cheia de liberdades poéticas e fictícias

Com que narras a Criação, a Queda, a Redenção,

Fazendo da estultícia de Satã o protagonista da ação.

 

Descreves sua hordas, suas falanges:

Belzebu, Belial, Baal, Astarote, Moloch, Mamon,

Os titãs, os gigantes, as bestas infames,

O Pecado e a Morte guardando as portas do Caos,

Que depois invadem a Terra com seu terror.

 

Descreves os exércitos celestiais:

Uriel, Abdiel, Gabriel, Rafael, Miguel

E sua legião de querubins, arcanjos e serafins

A combater-lhes o tropel.

 

Descreves o homem e a mulher

E seu mau uso da liberdade,

A sedução, a cobiça, por que os quer?

O fruto da Ciência da absurdidade.

 

E por fim, no Conselho Celestial,

O Filho que se apresenta ao Pai,

Para remi-los, Cordeiro de Deus, de todo o mal,

Fazendo-se um deles para a sentença de Adonai!

 

Seu Paradise Lost é uma canção de pranto

Mas de esperança num mundo em ebulição.

Tu o experimentaste com tão pouco acalanto,

Mas nos puseste em estado de beleza e graça,

Com tua pena de tanto esmero e inspiração. 

 



DANTE ALIGHIERI

Homem atormentado pela solidão.

Florentino atormentado pela política.

Desiludido deste mundo de ilusão.

Desterrado nesta terra iníqua.

 

Em teu sonho, onírica comédia

(ou seria uma tragédia?)

Corolário da escolástica, da baixa Idade Média,

Pariste o Renascimento, a língua italiana e o mundo ocidental

Num poema épico d’espiritual inédia.

 

Conduzido pela mão de Virgílio,

Por óbvio que puseste teus inimigos no Inferno,

Os humanos, demasiado humanos, no Purgatório

(Tu mesmo esperavas ali acabar, merencório?),

E no Céu, é claro, Beatriz e seu rosto tão terno,

Que amaste, menina, em idílio,

Mas e se ela não tivesse morrido?

Te perguntaste que tipo de mulher teria sido?

 

O platônico é mais belo que o aristotélico,

O desejo maior que a posse,

(E a posse contínua é a morte do amor?)

Se nos versos não imortalizasses o angélico

Do momento frugal da apoteose precoce

Terias alcançado em êxtase os pés do Criador?





quinta-feira, 11 de março de 2021

A REUNIÃO

 Os amigos (isso ainda se usa?)

Decidiram se encontrar.

Quem foi pros USA?

Quem foi pro Canadá?

 

Quem venceu na vida?

Quem perdeu?

(isso de fato existe?)

Winners or losers, that’s it?

Quem achou o sentido da vida?

Quem no trajeto se perdeu?

 

Qual está desempregado?

Qual se aposentou?

Qual tem mais reclamado?

Qual riu e gozou?

Qual pedirá dinheiro emprestado?

Qual é o invejoso? Qual se gabou?

 

O médico ainda tem pacientes?

O advogado ainda tem causas e honorários?

O dentista ainda tem dentes?

O antigo agitador ainda tem partidários?

O empresário faliu? Enriqueceu?

O escritor desistiu? Endoideceu?

 

E quanto aos que não vieram?

Qual destes não quer lembrar o passado?

Qual guarda mágoas dos que vieram?

Qual se matou? Qual está acamado?

 

Quem teve filhos? Qual já tem netos?

Quem casou? Quem se divorciou?

Qual pensa que é o único certo?

Qual sabe que sempre errou?

 

O que falar: Profundidades? Banalidades?

Piadas politicamente incorretas?

Uma ou outra obscenidade confessa?

– Você viu o preço do gás de cozinha? E do abacate?

– Quem vencerá o campeonato?

– Em quem vai votar pra deputado?

 

Os amigos se entreolham,

Uma roda de caubóis de faroeste.

Uns fumam, uns alfinetam, alguns se doem,

Uns passaram em concursos, passaram em testes,

Outros foram reprovados e se encolhem.

 

Uns seguram copos, uns seguram risos,

Outros seguram lágrimas, outros mantêm o siso.

– Muito que bem, mande lembranças à sua senhora!

– Então, é isso, já é tarde!

– É... o tempo é ruim. Já chove lá fora!

– Vamos marcar qualquer coisa...

– Um dia desses, quem sabe?

 

E os amigos se foram, seguindo seu caminho.

Cada um pensando, cada um sozinho.