segunda-feira, 25 de maio de 2015

AIMÉE MCPHERSON



Canadense do fim do século dezenove,
Falecida no fim da Segunda Guerra.
Mulher pioneira, corajosa, a quem aprouve
Iniciar uma cruzada pela Terra.


Celebridade na mídia dos anos 20 e 30.
Viúva uma vez, divorciada duas.
Quando ainda adolescente, lutou contra o evolucionismo darwinista
E aprendia com a mãe, no Exército da Salvação, a olhar pelos pobres das [ruas.


O irlandês Robert Semple, numa reunião de avivamento,
Pregara efusivamente sobre a nova criatura.
Ela saiu, se rebelou por três dias, tentou ouvir jazz e buscar divertimento,
Mas então, voltando à casa de trenó, seu coração em ruptura
Finalmente se abria ao Espírito em lágrimas de cristais
Derretendo o gelo que não lhe tolheria nunca mais...


Robert se tornou seu marido, e lhe prometera ir para a China:
“Vamos colher pérolas amarelas para a coroa que depositaremos
aos pés do Salvador”, ele dizia à sua esposa ainda menina,
E foram, nos passos de Hudson Taylor, alcançar pagãos e enfermos.


Mas ali ele contraiu malária, e ela, já grávida, também.
Enquanto o filho nascia, Robert morria, e Aimée, agora sozinha,
Só podia retornar à América, totalmente refém
Das dificuldades que uma mãe sem esteio sofria.


Casou-se então com Harold McPherson, o segundo marido.
Engravidou de novo, quase morreu de apendicite,
E enquanto orava, no quarto espremido,
“Tu irás? Pregarás a Palavra?” – Deus lhe falava ao ouvido.


Ela foi ao Canadá, a família se opôs...
Em um encontro pentecostal sentiu que as brasas
lhe ardiam na alma e se fez pregadora depois,
O que não se permitia a mulheres (muito menos às casadas).


Já em 1918 fez uma viagem transcontinental,
Só com seus filhos, sua mãe e uma secretária.
E quando pregava sobre Ezequiel 1:1-28 em devocional,
Decidiu chamar o ministério de Quadrangular, de maneira inspirada.


“Jesus Salva, Jesus Cura, batiza no Espírito Santo, Ele voltará!”
Essa seria a divisa no Angelus Temple, em Los Angeles, California,
Que atraía milhares de pessoas, como a rádio agora no ar
A transmitir seus sermões a milhões sem uma vida ou uma História.


Ela tinha sede de que todos bebessem das águas vivas
E não de cisternas rotas, como bebera no passado.
Conhecer a Deus e Sua salvação é ter a alma rediviva
E ser liberto das densas trevas do pecado!


Ela ainda teve de suportar uma separação conjugal.
E depois um sequestro de um mês no deserto do Arizona,
De pessoas que queriam resgate, o templo, pelo vil metal,
E depois de liberta ainda lhe perseguiria a imprensa inquisidora
Ávida por escândalos que pudessem abater-lhe a moral...


De volta ao trabalho, este lhe desgastou por inteiro,
E a saúde não mais lhe permitia continuá-lo.
Deixou-o com seu filho Rolf, fiel escudeiro,
Mas nunca deixou de assessorá-lo.


Casou-se ainda uma terceira vez
Com David Hutton, cantor dez anos mais jovem.
Em breve descobriu que este só queria usar-lhe a fama (e o fez),
Levando ao segundo divórcio e mais pretextos aos que desaprovem...


A língua ferina de farisaicos maledicentes
Jamais descansa, como o sabeis,
Inda mais se se trata de quem litiga com defeitos correntes
Que todos cristãos temos e combatemos na força do Rei...


Enquanto os anos passavam a fluir,
Sua voz se cansava e seus rins falhavam.
Já dependia de tranquilizantes para dormir
E estes caíam nas veias a lhe ferir.


Foram eles que a mataram por fim
Em 27 de setembro de 1944, em seu lar,
Mas ela deixou seu legado assim,
Fundou a Igreja do Evangelho Quadrangular!






O REAVIVAMENTO DA RUA AZUSA



"Muitas igrejas têm orado para um Pentecoste, e o Pentecoste veio. A pergunta agora é, será que elas o aceitarão? Deus respondeu de uma forma que elas não procuravam. Ele veio de uma forma humilde, como no passado, nascido em uma manjedoura”. 

(The Apostolic Faith, setembro de 1906).



Los Angeles: a cidade dos anjos,
Na California de espanhóis, mexicanos e ianques,
Índios hupa, caubóis, surfistas e navegantes,
Que outrora desembarcaram espadas, cavalos e banjos
À procura de dias ensolarados e abundantes.


William Seymour, o filho de ex-escravos,
Humilde como uma criança,
Lia o livro de Atos dos Apóstolos, e tanto...
Que orava cinco horas por dia em perseverança
Pra receber a plenitude do Espírito Santo.


Sonhava com as línguas de fogo
A lhe fazer falar em línguas estranhas,
Caindo do céu como pérolas de rogo
Banhadas em lágrimas de seráficas entranhas.


Antes, em Houston, Texas – diferente da que é agora – 
Ele, menino, assistia aulas do corredor,
Assim como seus pais viam o culto do lado de fora,
Pois era o que se reservava a pessoas de cor...


Na cidade grande dos anjos, a Babel do exibicionismo,
Quem sabe se ele não arrumaria um bom emprego?
Quem sabe se ele mesmo não receberia o novo batismo,
Não nas águas, mas no Espírito?
Quem sabe se não falaria hebraico ou grego,
Ou aramaico, como o Senhor e Pedro?


Membros da Igreja Holiness o abrigaram
E começaram, na Rua Bonnie Brae, as reuniões de oração.
O lugar ficou tão pequeno para tantos que chegavam
Que eles se mudaram para um prédio que quase virara carvão:
Rua Azusa, 312: ex-depósito, ex-estábulo,
Lugar de incêndio e de escombros,
Agora renascia em brasas vivas tal Cenáculo
E encheria o mundo com seus arroubos!


Testemunhos e cânticos espontâneos brotavam.
A liturgia vinha do coração dos que pranteavam.
Vítimas do terremoto de San Francisco oravam.
Membros expulsos de igrejas tradicionais ali ficavam.


Homens caíam ao chão em espasmos
E idiomas incompreensíveis.
Os repórteres saíam dali pasmos
E não sabiam o que relatar em seus jornais insensíveis...


Durou apenas três anos inteiros,
Mas ateou chamas ao mundo.
Deixou 600 milhões de herdeiros
E um campo que era seco, fecundo.


Pentecostal, carismático, renovado:
Muitos nomes passaram a receber
Os apaixonados por Deus em seu noviciado
Antes das bodas co’o Cordeiro estabelecer.


William H. Durham, um jovem que lá estava,
Recebeu seu batismo no Espírito Santo
E voltou para Chicago, onde congregava,
Formando missionários de um combate santo:


E. N. Bell, que fundou a Assembleia de Deus dos Estados Unidos;
O sueco Daniel Berg, da Assembleia de Deus do Brasil;
O italiano Luigi Francescon, da Congregação Cristã no Brasil;
E depois deles muitos outros, que foram salvos e ungidos,
Que a obra de Deus continuou a dar frutos, a cento e a mil!


Há quem critique, há quem desacredite, há quem mistifique
Mas o Espírito sopra onde quer...

E todos saberemos, quando o Rei vier...



domingo, 17 de maio de 2015

SÃO JOÃO BATISTA DE LA SALLE



"A ciência infla, só a caridade edifica”.


Numa França miserável
De Luíses reis-sois,
Da Paris de Versalhes
E de mendigos reinóis,


Eras também nobre,
Descendente de Carlos Magno,
Mas olhavas pelos pobres,
O que em tua classe era raro.


Magna era tua alma empreendedora
Mas cedo ficaste sem os pais.
Competiu-lhe a função protetora
De criar os irmãozinhos em Reims.


Mestre das Artes Livres,
Aluno da Sorbonne sagaz,
Amante da música sacra que vive
Nos órgãos das Catedrais!


Ordenado padre um pouco tarde,
Dedicaste teu tempo a educar quatro mil crianças.
Fundaste instituto em que inda arde
Em sede de conhecimento, fé e esperanças.


Pedagogia, leitura, gramática, física, matemática, religião e canto litúrgico:
Tudo tu ensinavas!
E te assentavas em qualquer cátedra ou banco rústico
Em que fosse necessário, e te esmeravas.


Formavas professores leigos,
Sem Piaget, Vigotsky, Wallon ou Paulo Freire.
Tua didática nascia de teus meneios
E de um amor puro que beire


O de um pai que exorta por todos os meios.
Em 1719, numa Sexta-Feira Santa,
Teus dias na Terra terminaram em Rouen.
Milhões à época já sabiam de lida tanta
E até hoje inda sabem que a luta não foi vã.


Mas, São João Batista de La Salle, companheiro de sofredores,
Que arava luzes sulcando trevas de um mundo vil,
Se és mesmo padroeiro de todos os mestres e professores,
Quanto trabalho tu não terias no Brasil...





IVO DE KERMATIN (SANTO IVO)



"Jura-me que a tua causa é justa e eu a defenderei gratuitamente".



Filho de nobres, nobre de alma,
Sagrado cavaleiro – mas a pena na palma,
Que sua arma era retórica contra ardis.
Bacharel em Teologia e Filosofia em Paris.


Bacharel em Direito em Orleans.
Nomeado pelo Rei juiz da Bretanha.
Dezoito anos nas epopeias escrivãs,
Dezoito anos desmascarando artimanhas.


Em mãos o Corpus Iuris Civilis de Justiniano,
O Decretum de Graciano,
A Littera Boloniensis, os cânones gregorianos
E uma equidade de estoico romano.


Até que renunciou ao cargo que abrilhantara
Para defender pobres e oprimidos,
Para cuidar dos enfermos no hospital que fundara,
Para quitar dívidas dos não remidos.


O maior conciliador da França:
Tanto poderias ensinar aos belicosos!
O jurista dos que não tinham herança:
Tanto poderias ensinar aos cobiçosos!


Manjavas tanto do direito civil
Quanto do direito canônico,
Defensor dos direitos humanos
Na Igreja da Idade Média:
Ó orador irônico!


Se soubesses do que hoje acontece
No Tribunal de Ética e Disciplina da OAB,
Será que patrocinarias tua classe
Com todas as infrações que se vê?


Fazias justiça num mundo injusto
E sempre te compadecias dos deslocados!
Ó, não percas agora teu tempo
Sendo padroeiro dos advogados!























sábado, 16 de maio de 2015

O ÚLTIMO BLUES DE B. B. KING



Aos nove anos, já sozinho no mundo,
A colher algodão no Mississippi,
Invejando cantores, lá no fundo,
Sonhando viajar como um beatnik.

Se Django Reinhardt, com seu violão,
Parava o mundo, como Robert Johnson,
Por que não ele, triste rapagão,
Poderia cantar a vida no osso?

Sessenta anos carregando Lucille,
E fez chorar cada corda no blue,
Qual Jelly Roll Morton em Storyville.

“Guess who?”, “The thrill is gone”, oh, “Sweet Sixteen”…
O gordo risonho blues boy do Sul
Manda uma ode negra no céu sem fim!



terça-feira, 12 de maio de 2015

REV. MARTIN LUTHER KING JR.



“Quanto mais eu observava as tragédias da História e a vergonhosa inclinação do homem para escolher o caminho mais baixo, mais eu via a profundidade e a força do pecado”.


“Ser abatido em um movimento que visa salvar a alma de uma nação é uma morte redentora”.



Estrela ascendente no lodaçal da humilhação,
Cavaleiro da esperança, da fraternidade, do enterrar o passado,
Meditando sobre o Evangelho, sobre Thoreau e Gandhi, em celas de prisão,
Por absurdas acusações de tumulto e desacato.


Rebento da Atlanta dos antigos confederados,
Tolhido por todos os lados pelas leis Jim Crow,
Pela Ku Klux Klan, por policiais brutos, por juízes comprados,
Por cartazes “White Supremacy!”, “Go, niggers, GO!”.


Numa terra nascida da luta pela liberdade
E pelos inalienáveis direitos constitucionais,
Jamais se via qualquer resquício de equidade,
Jamais os irmãos se consideraram iguais!


No Sul, os púlpitos brancos pregavam a maldição de Cam,
Os púlpitos negros só buscavam consolo Além do Jordão.
O blues amargo dos campos de algodão
Fazia coro com spirituals que fugiam desta terra vã.


Negros linchados pendurados em árvores como frutos
A se deixar apodrecer como uma nação apodrecia,
Multiplicando descalabros e insultos,
Segregando espaços, violentando a democracia.


.  .  .  .  .


Era primeiro de dezembro.
Rosa Parks, costureira cansada depois de um dia de trabalho
Se recusa a ceder lugar para brancos no assento.
É expulsa a pontapés, presa, fichada por delitos vários.


Começam os boicotes ao transporte público.
Começam as marchas a cortar o país.
Não sem sangue, sem lágrimas, sem luto,
Mas pela dignidade, pelo respeito, pelos direitos civis.


Não era uma revolução violenta
Como o quiseram Malcom X, Stokely Carmichael,
E não era uma vingança sangrenta,
Mas uma guerra santa do Novo Israel.


As armas eram a paz, o amor ao próximo,
A resistência pacífica, o despertar das consciências,
Desenvolvendo o melhor, relembrando o óbvio,
Mudando séculos de ingerências.


Reverendo Martin, o líder que Deus preparara,
Como o outro Martin, quinhentos anos antes,
Lutava contra o status quo da injustiça avara
Que tanto cegava o povo quanto seus governantes.


E aos poucos caíam os antigos monstros:
Ruía a segregação, ampliava-se o direito ao voto.
Faltava a Guerra do Vietnã, os pobres e seu destino ignoto,
Mas agora já era impossível calar e tornar os rostos.


Sabemos que o preço foi caro, foi sim.
Já custara o sangue de Lincoln, dos irmãos Kennedy,
As calúnias de J. Edgar Hoover do FBI,
Milhares de mortos anônimos no Mississippi, no Tennessee...


E por fim, em 4 de abril de 1968,
Foi a sua vez, pastor e herói negro da fé,
Alvejado por balas assassinas de um espírito morto
Que sequer deveria saber o tamanho do mal que causava ou o que de fato 
[Deus quer...
Ó pregador incansável do cristianismo num mundo torto
Que açoita o irmão com a Bíblia na mão,

E usa as paredes da igreja para manter o ódio de pé! 





SANTA JOSEFINA BAKHITA


Candura de ébano,
Sorriso de marfim,
Braços de guerra,
Paz sem fim.


Negrura de solo ancestral,
Marcas nas costas, lembrança breve,
Vestes de moura, guerreira tribal,
E o coração, tão leve.


“Afortunada” é seu nome,
Desgraçada sua história.
Mas ela via só o que dizia seu nome
Não o que doía na memória.


Porque em dor o mundo todo sobeja
E ela não era a única que sofria.
Seu passado (dinka, dagiu, beja?)
Não importava mais numa Itália tão fria.


Raptada ainda criança,
Marcada, torturada, humilhada,
Cresce escrava em África, sem esperança,
E levada a Cartum, a capital admirada,
Vendida no mercado El Obeid, em tráfico profano,
Onde lhe compra providencialmente o cônsul italiano.


Vendida por várias vezes,
Submetida a vários senhores,
Ainda não sabia ela, entre aqueles,
Quem era o Senhor dos senhores.


Encontrou mais paz como ama-seca de Mimina.
E quando se mudou a família da menina
De novo para África, por causa de negócios,
Ela quis ficar, pois cumpriria outros votos.


144 cicatrizes trazia no corpo frágil,
E na alma, acrisolada pelo sofrimento,
Trazia da maneira mais submissa, terna e ágil,
Um grande êxtase e contentamento.


“Irmã Morena”, que tantos anos foi escrava,
Conhecia a verdadeira liberdade,
Em Cristo, que nos salva
De nossa própria impiedade.


Foi aceita pelas Irmãs Canossianas de Veneza,
E ali exerceria por cinquenta anos
Com humildade, caridade e presteza,
A missão que Deus lhe dera entre os santos.


Chamava a Deus “o Meu Patrão”,
Por quem foi criada para adorar-Lhe.
E mais e mais lhe preenchia o coração
Apenas servir-Lhe e dedicar-Lhe
O seu canto rústico e puro em oração.


A que sofreu tanto só pensava no sofrimento alheio.
Que esta possa ser uma lição para nossos dias,
Em que tanto se afunda no próprio ego e meio,

Que nada sobra para o amor produzir sua alegria!



quarta-feira, 6 de maio de 2015

SANTA FAUSTINA KOWALSKA



Flor pisada da Polônia,
Pobre lírio do campo,
Folha resistente entre as begônias,
À noite densa o último pirilampo.


Tua pobreza só te permitiu estudar três anos incompletos.
Aos dezesseis, foste embora de casa,
Trabalhar como doméstica, atendente de loja, para ter um teto
E ajudar a família que continuava em vida rasa.


Aos dezenove, num baile em que estavas com tua irmã,
Vês o Cristo desfigurado em chagas a indagar-te:
“Até quando me evitarás? Até quando viverás em ilusão malsã?”
E de lá correste, ofegante, por toda parte,
Até sentar-te na Catedral de São Estanislau Kostka
E ouvires uma voz que te mandava à Varsóvia.


Eras considerada muito ignorante para ser freira.
No começo, só queriam te aceitar para a cozinha.
Tuas visões eram tidas por neuroses e besteiras
E ninguém sabia do tesouro que te entretinha.


Definhando, tuberculosa, transferida de mosteiros,
Ias anotando em teu diário o que vias,
Por ordem de teu confessor, Michal, o conselheiro,
Foste por fim levada a sério em tuas agonias.


Em tuas visões, o Cristo estava em vestes alvas,
De seu coração saíam feixes de luz branca e vermelha,
Seu título era da Divina Misericórdia, e nas barras
Do quadro antevisto se lia “Senhor, eu confio em vós!”, de esguelha.


Esta foi a imagem imortalizada pelo pintor Adolf Hyla,
Hoje tão popular em igrejas de todo o mundo,
Mas ela só queria significar no que cintila
Que se Deus não se apiedar do pecador imundo,
Nada nesta Terra irá lhe adiantar...


Ainda pouco antes de morrer, num continente em discórdia,
Com apenas trinta e três anos, tua história se encerra,
Predisseste que os homens veriam a mais cruenta de suas guerras,
E os homens saberiam então o que custa a falta de misericórdia...


De fato, no mesmo local de teu leito de morte,
Na Cracóvia, se ergueram guetos de judeus e eslavos,
Mortos e empilhados na neve como cães do norte
E todo o orbe sofreria a Segunda Guerra, seus mutilados e escravos.


Disto, tu foste poupada, mas não em sonhos,
E tuas orações não foram suficientes
Para aplacar a ira dos tanques nazistas medonhos,
Das rosas nucleares pelos ares, e da boca sem dentes

Dos fornos crematórios de homens secos e tristonhos. 




segunda-feira, 4 de maio de 2015

TERESA DE LISIEUX (SANTA TERESINHA DO MENINO JESUS)



Em berço tranquilo da família Martin,
Nasce Terèse, rodeada de irmãs.
O pai se deu bem com os relógios.
A mãe se aprumou com os bordados.
Não faltava conforto no velho sobrado,
Nem devoção ao martirológio.

A família não faltava à missa matinal
Nem se privava de leituras devocionais.
A alegria do lar era afável e jovial
E a menina era totalmente apegada aos pais.

Mas haveria um dia em que os sonhos se desfariam
E se substituiriam por outros mais difíceis.
A maturidade exige um tanto de sofrimento (quem o negaria?)
E a vida nos permite só um tanto de planos possíveis...

A mãe morre de câncer no seio,
O pai, cada vez mais soturno.
As irmãs, uma a uma, saem de seu meio,
Ingressando no Convento do Carmelo, por seu turno.

Aos quinze anos, ela quer também lá ingressar.
Sua idade não o permite, “criança demais pra buscar o Céu”.
Parte em peregrinação a Roma com o pai, a se admirar
Com as portentosas obras de Michelangelo e Rafael.
Mas o grande intento da viagem é rogar a permissão
Do Papa Leão XIII, pra ser noviça de clausura e oração.

Ela consegue, finalmente, o seu propósito,
E desde cedo suporta rigores e pessoas nada agradáveis.
Mas tudo aceita sabendo que o amor é insólito,
E que mais divino é amar os inimigos que os amáveis.

Depois teria de suportar a morte do pai,
E mais dezoito meses de uma noite na alma,
A descrença do abismo em que cai,
A última prova de fogo do crente sem calma,
A derradeira morte do ego em esperneio,
Até o abandono ao Amor da Graça do Cordeiro!

Só assim compreendeu.
E a rogo de sua irmã e de sua madre superior,
Anotou em seus diários o caminho que Deus lhe deu:
Chamou-o “pequena estrada”, “estrada da infância”, “abandono ao amor”.

Tratava-se do fazer criança,
Reconhecendo seu pecado, sua pequenez e mesmo os medos seus,
Depositando-os diante do Pai, e sem tardança,
Elevar-se aos Céus, não por seu braço, mas pelos braços de Deus!

Identificar-se com os méritos do Filho, com suas chagas,
Porque o preço foi pago por Ele e por mais ninguém,
E por fim preencher-se do Espírito, já que se sabe nada,
Fazendo-se da Misericórdia total refém!

Esse foi o caminho que ela deixou ao mundo,
Mais palatável e nada impossível
A quem buscava a santidade segundo
Os santos do passado inatingível.

Ela parecia mais próxima e simples
E em vida nada pareceu ter de especial
Que a diferenciasse de outras vides
A crescer nas vinhas do Eternal.

Seus escritos, reunidos em livro,
Ganharam o nome de “História de uma Alma”,
O qual às vezes releio como um néctar vivo
De que se bebe contemplando a luz da alva.

Por fim, a tuberculose a levou
Aos vinte e quatro anos de idade.
A imagem parca que nos deixou
Vem de poucas fotos
e manuscritos de uma complexa simplicidade.

Antes de morrer, dizem que ela prometeu
Uma chuva de rosas sobre a cidade.
E dizem que de fato isso ocorreu,
Como se lá do céu ela confirmasse que era verdade
Tudo que em vida creu
Com singeleza e amabilidade.

Deram-lhe o título de patrona das missões,
Porque orava pelas dificuldades dos missionários.
E de co-padroeira da sua amada França,
Ainda que mui distante de sua colega de armadura e lança:
Joana D’Arc, a camponesa à frente dos exércitos libertários...

E ainda mais alguns anos depois,
João Paulo II a consagrou Doutora da Igreja,
Ao lado de Catarina de Siena e Teresa D’Ávila,
Para agigantar mais o rol de mulheres que com presteza
Abrilhantaram a Teologia e portaram um’alma impávida...

Lisieux ainda recebe milhões de turistas
A tentar seguir-lhe os passos miúdos,
Mas creio que a melhor forma de entender suas pistas
É se entregar a Deus, absolutamente, em doces cânticos mudos.






MARIA GORETTI


Você ouviu os gritos? Ouviu o choro
de corça assustada, de menina escondida,
que já sofre feito mulher a tragédia em coro,
com milhões de outras tantas no solo da vida?

A menina só tem onze anos,
tem a beleza cândida da pureza,
tem mãozinhas co’as marcas da pobreza,
E cuida dos irmãozinhos tão lhanos.

Luigi, o pai, morreu de malária.
Assunta, a mãe, ficou com os filhos.
A família perdeu a fazenda de que era proprietária
E foi obrigada a lavrar para os vizinhos.

Mudaram-se para La Cascina Antica,
em companhia da família Serenelli,
a qual nada lhes trouxe de serenidade amiga,
mas antes, uma tragédia que se repele.

A cada dia, o rapaz Alessandro,
então com vinte anos completos,
enxergando na menina a mulher que se formava,
ardia em desejos insanos e indiscretos.

Pelos caminhos dos campos, pelos cômodos da casa,
Assediava insistente a criança que fugia,
e o amor em leves chamas se fazia em ódio em brasa,
a tomar-lhe o espírito em púrpura agonia.

Com rubras faces de paixão animalesca,
o rapaz invade a casa portando adaga,
e a menina, que lhe resiste à libido grotesca,
larga as linhas de costura e reza tristes palavras.

“Que te passa pela cabeça? Quereis o inferno?
Ofendes a teu Deus! Manchas-te de pecado hediondo!”,
mas ele a nada ouvia, como se alma, enregelada de inverno,
Estivesse surda por demoníaco estrondo...

Não conseguindo atingir o carnal intento,
ele a apunhala por onze vezes.
Ela se arrasta até a porta, em abundante sangramento,
para levar outras facadas, por mais três vezes.

Quando finalmente a encontraram caída ao chão,
ela lembrava a virgem Santa Inês, ou Santa Cecília, em suas comoções,
e os médicos se surpreendiam de ainda lhe bater o coração,
tendo lesões na garganta, no diafragma, no peritônio e nos pulmões.

Ela ainda viveu por mais vinte horas,
a tempo de dizer que perdoava seu agressor.
Ele foi condenado a trinta anos de prisão, sem demora,
e o povo queria linchá-lo, em furioso clamor.

Enquanto cumpria pena, Maria lhe apareceu em sonho,
e lhe entregou flores, que em suas mãos se queimavam.
Em outro sonho ela lhe teria dito: “Se eu já te perdoei,
Por que tu não te perdoas?”, e seus olhos marejavam...

Quando foi libertado e seguiu seu caminho,
Alessandro pediu perdão à mãe da menina,
ingressou no Convento dos Frades Menores Capuchinhos
E ali serviu, como porteiro e jardineiro, até o fim da sua vida.

Ainda em vida, ao lado de Assunta,
ele assistiu à missa de canonização da menina,
proclamada santa pelo Papa Pio XII,
personificação de castidade, perdão e dignidade feminina.

Quando saiu da Basílica de São Pedro, à praça multitudinária,
o Papa perguntou a meio milhão de jovens que ali tinham orado,
se estes pretendiam lutar pela castidade enquanto necessária
e pela bênção da sexualidade sadia e vivida do modo adequado.

A resposta foi um sonoro “sim!”, que esperamos verdadeira,
especialmente em tempos de banalização do que é belo e sagrado,
em tempos de prostituição do corpo e do espírito, sem eira nem beira,
a alma se entrega à escravidão dos sentidos e do idolatrado.

Em tempos de abuso, de exploração, de pedofilia crescente,
que essa mensagem, infelizmente não única neste mundo,
seja um pequeno farol, ainda que triste e tremeluzente,
a lembrar que o pecado é mais terrível do que se pensa,
e leva o ser humano ao mais escuro do profundo!