quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Elegia do Professor



O tema da presente missiva

É um conteúdo não afeito às suas memórias

Mas que, faz-se mister, deveria ser dito há tempos

E é mui diferente de outras histórias.

 

Pois a cada dia em que vejo a esperança em seus olhares

E o luzir da descoberta em suas vidas

Qual meninos da academia platônica em disputas e indagares,

Eu me pergunto se sou digno desta lida.

 

E a cada dia que vejo em suas faces a apatia

E a fala áspera e pobre das vidas rotas que trazem de seus lares

E a falta de compreensão de todo um povo por nossa litania

Eu me pergunto se sou forte o bastante para uma vida de tantos [pesares.

 

Quando um dia no passado eu tomei esta decisão de amor

De abandonar o viver e trabalhar para mim mesmo

Para fazer-me doação completa de mente, coração e vigor,

Eu descobri que minhas palavras não são lançadas a esmo.

 

Então vi que podia transformar vidas

E que podia formar novas óticas,

Que podia atenuar lidas

E tornar existências menos medíocres, menos óbvias.

 

Vi também que mesmo trabalhando por isso tudo

Eu veria sempre todos partindo

Construindo suas sagas – heroicas ou inglórias –

Deixando para trás os velhos corredores ruindo.

 

 E eu permaneceria nesses corredores – ano após ano

Criando raízes como os pés das mesas

Com mãos calcárias de um renitente decano

Falando a gerações cada vez mais cheias de incertezas.

 

Por isso eu trago à lembrança

O dia do meu compromisso assumido

Em que elegi tal sacerdócio que tanto exige

E que pode me fazer de mim mesmo perdido.

 

Não foi para isso que Deus assim me fez?

Para estender incondicionalmente os braços,

Lapidar joias enquanto eu mesmo me lapido

Ainda que na dor, incompreensão e esgarçar dos laços?

 

Em um país que mutila a alma de seus mestres

E fabrica índices tolos de sabedoria demográfica,

Apenas, companheiros, cantemos nossa nota perfeita

Porque ela soa bela mesmo em meio à balbúrdia trágica.

 

É só por isto que insisto, alunos meus,

Porque são vocês que nos fazem continuar.

Seus risos, vozes, sonhos e jovens vidas

Enchem-nos da incansável mania de lutar.

 

Ano após ano, mês após mês,

A ternura de menina

E o ímpeto de menino,

Que nos fazem lembrar de nosso próprio passado com certa [desfaçatez,

Colorem essas paredes frias, impessoais,

E nos reconciliam com o passado e seus traumas imortais.

 

Nós que dedicamos nossa vida a uma ciência

E sabemos lidar melhor com livros do que com pessoas

De repente precisamos aprender a amar com sapiência

Numa paciência infinita de pai que perdoa.

 

Valeu a pena? Não posso responder de forma símplice

Com o lugar-comum do luso poeta atormentado,

Mas adapto seu verso dizendo que tudo valeu a pena

Se tornamos maiores as almas dos que nos foram confiados.