sexta-feira, 6 de maio de 2011

Educação, Trabalho e Ensino Profissionalizante

O trabalho se constitui em forma de sobrevivência e formação psicológica do homem, no sentido de que, a partir dele, transforma e é transformado pelo ambiente em que vive. Trabalho é adaptação, superação, criação e, para os mais afortunados, atividade lúdica e de realização pessoal.

Ao longo da História, a visão acerca do trabalho passou do estado servil para o remunerado, da maldição adâmica ao mandato cultural divino, do enfoque exclusivo na atividade intelectual (scholé) para a valorização do labor manual nas linhas de produção (mão-de-obra).

Já quanto à educação, pode-se defini-la como um processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social.

Obviamente, este processo responderá de pronto às exigências de determinada comunidade ou ideologia dominante no que tange à necessidade de interiorização, pelo indivíduo, dos valores e normas sociais, como forma de manutenção da ordem e do controle social. As noções de “educar para a liberdade” e de findar com a “pedagogia do oprimido” (nos dizeres do sempre atual Paulo Freire) são muito mais recentes, e podem ser vistas por alguns como verdadeira ameaça ao status quo estabelecido.

No entanto, também é preciso ressaltar que essa mesma “liberdade” apregoada aos quatro ventos pode consistir em nada mais do que um outro método de controle social, transmutando a capacidade de livre agência do indivíduo em mero discurso vazio e populista, como o sociólogo Max Weber muito bem atribuíra ao “grande demagogo” – um dos três tipos mais característicos da dominação carismática – aquela que pode levar multidões à obediência cega, sem nem mesmo fazer uso da força, da tradição, ou mesmo de um conjunto de normas pré-estabelecidas.

Considerando-se as duas definições, passa-se a tratar da indispensável intersecção entre ambas: o ensino profissionalizante, ou educação profissional, como preferem alguns.

Nesta questão, o processo educacional, ora visto como conjunto de conhecimentos sistematizados e transmitidos ao longo dos anos, visando preparar o indivíduo para as atribuições que dele se esperam, agora carece de enfoque prático e economicamente mensurável. Especialmente em uma sociedade altamente industrializada, a mera especulação metafísica dos gregos, a transmissão de valores militares e cavalheirescos de romanos e medievais e as humanidades genéricas do refinamento burguês não podem mais responder às demandas de mercado existentes, levando o aluno e seu futuro profissional a uma inevitável falência e decepção.

À guisa de ilustração, leia-se o seguinte trecho da carta redigida por líderes indígenas e endereçadas a um grupo de políticos nos Estados de Virginia e de Maryland, durante o período colonial britânico na América do Norte, depois de receberem um convite formal para enviar alguns de seus jovens às escolas dos brancos[1]:

“...Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração.
Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa.

...Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.

Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virginia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens”.    

Eis as consequências de um ensino desprovido de visão e de conexão com a realidade do aluno e de sua comunidade: uma enorme discrepância entre o aprendido e o realmente útil.

Por outro lado, houve aqueles que se preocuparam em demasia com a prática profissional e se esqueceram de que seus alunos eram seres humanos completos, cujas aptidões sociais imprescindíveis iam muito mais além do que o desempenho no chão de fábrica. É o que consta da crítica inteligente observável no personagem de Charles Chaplin no filme “Tempos Modernos” – o qual enlouquece diante da repetição excessiva de movimentos na linha de montagem de molde taylorista-fordista e cuja incompetência social lhe reduz a um desajustado e indesejável citadino. O mesmo se pode dizer do personagem Homer Simpson, do desenho animado Os Simpsons, de Matt Groening: um pai de família razoavelmente remunerado, pertencente à classe média de uma pequena cidade norte-americana, cuja única função na usina nuclear onde trabalha é a de apertar um botão em caso de acidente, o que nunca acontece. O resultado é um homem imbecilizado, egocêntrico e massificado ao mesmo tempo, totalmente incapaz de uma visão crítica e holística sobre sua própria realidade.

Destarte, a conclusão lógica é a de que o ensino para o trabalho é uma necessidade premente e real que se impõe – especialmente em um país que, espera-se em breve, poderá adentrar o clube seleto das nações de Primeiro Mundo – mas também é inequívoco que tal ensino não pode descuidar de sua ótica geral sobre a cidadania do aluno, sobre a reflexão, sobre a leitura, os debates, a história de sua ciência e ofício, bem como de suas aptidões humanas para o convívio pessoal, para a gestão de pessoas, para a interdisciplinaridade e para o trabalho em equipe, elementos estes que irão compor seu próprio marketing pessoal ou personal branding, garantindo-lhe a inclusão e a manutenção efetivas no mercado de trabalho.  



[1] BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. 19. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 8-9.

Novas Demandas da Educação

As reivindicações humanas, ao longo dos séculos, constituíram sempre fenômeno crescente e caracterizador da própria identidade, no sentido de configurar o homem como ser histórico e digno, além de físico, psíquico e social.

Nessa interminável luta, emergem os chamados “direitos humanos de primeira geração”, consubstanciados nos direitos e garantias individuais. Assim o acesso à Justiça, o direito de ser ouvido em sua versão dos fatos e de apresentar defesa em procedimentos judiciais (contraditório e ampla defesa), a livre iniciativa econômica (laissez-faire), a liberdade de opinião, de expressão, de credo religioso, o direito de votar e ser votado. Tais prerrogativas já encontram seu nascedouro entre os gregos e os romanos antigos, experimentam notável incremento nos átrios do cristianismo e da tradição jurídico-política inglesa medieval, e encontram sua cristalização plena nos dois eventos históricos que marcaram o início da Idade Contemporânea: a Revolução Francesa e a Independência Norte-Americana.

No entanto, é fato notório que a mera declaração formal de igualdade entre os homens não foi o suficiente para trazer em seu encalço as duas sentenças restantes do lema revolucionário francês: igualdade e fraternidade. Pelo contrário, o domínio da burguesia ascendente – tornada todo-poderosa durante a Revolução Industrial e justificada pela propaganda liberalista – gerou como consequência indesejada – ou talvez até mesmo desejada – uma enorme população de miseráveis, desprovidos de renda, consciência e conhecimento.

As prédicas de Marx, Engels, Proudhon e outros autores do século XIX – e de Rosseau antes deles – alertaram para o futuro e inevitável cataclismo: a revolução do proletariado, a qual instalaria uma sangrenta ditadura da restauração da igualdade, igualdade esta só vista nas comunidades coletoras-caçadoras primitivas.

O modelo, como é notório, foi aplicado com reservas no chamado socialismo real da União Soviética, da China, de Cuba, dentre outros. No entanto, observa-se que o maior avanço no sentido dos chamados “direitos sociais” ou “direitos humanos de segunda geração” deu-se a partir da reação concessiva dos países capitalistas a fim de não sofrerem mais revoluções e greves em seus próprios territórios. A Grande Depressão de 1929 e o sistema econômico de grande intervenção estatal na economia desenvolvido por John Maynard Keynes inauguraram o chamado Welfare State ou "Estado do Bem-Estar Social": com punhos de ferro, líderes nacionais nada democráticos implantaram vertical e unilateralmente uma legislação trabalhista nunca antes vista, e, no seu esteio, a universalização do acesso à saúde e educação públicas, à assistência e à previdência sociais.

É neste contexto que as mesmas políticas atingem o Brasil, já imerso em sua nascente industrialização substitutiva da antiga economia agrária de larga escala.

A Segunda Guerra Mundial – e o consequente ódio aos regimes totalitários impresso em todos os povos ocidentais – fez ressurgir os anseios pela democracia, e, com ela, o maior acesso aos direitos já alcançados formalmente, além de novos direitos agora denominados “coletivos e difusos”, posto que pertencentes a uma massa indivisa de população, incluindo-se aí o meio-ambiente saudável, o patrimônio histórico e artístico, o desenvolvimento econômico sustentável, as prerrogativas do consumidor consciente, o direito à paz mundial etc.

Inequivocamente, os cidadãos nascidos sob estas influências não mais se contentariam em receber um ensino de modelo mecanicista – meio taylorista e meio burocrático – que desumaniza, rotiniza, atomiza e retira o senso crítico.

As empresas, por seu turno, implantando mudanças de paradigma como a gestão participativa, a delegação de poderes (empowerment), o achatamento da estrutura (downsizing) e a eficiência-eficácia como binômio inseparável, não mais estavam interessadas em mão-de-obra pouco criativa, insegura e passiva, que fosse incapaz de se adaptar a um mercado em crescente competição e inovação.

É exatamente neste contexto que surge a necessidade premente do novo papel do professor, tanto no ensino fundamental e médio, quanto no ensino técnico e universitário: um profissional capaz de congregar em si diferentes aptidões e adaptações, pronto a se tornar autodidata, desafiador, conhecedor das novas tendências do mercado, intermediário do conhecimento e constantemente capacitado, dotado de conhecimentos profundos e técnicos em sua área de docência, de forma conjunta a noções elementares de psicologia, pedagogia, gestão e, por que não dizer, política e cidadania.

Uma sociedade extremamente populosa, mais exigente e mais pressionada pelas urgências ditadas pelo capitalismo competitivo e pela onipresença da informação e da tecnologia, não poderá exigir menos do educador – esse sim conceito mais correto que o de professor (aquele que professa palavras publicamente sem ser interrompido, e o faz diretamente ao aluno – “alumni”, “alumnu": “o desprovido de luz”, “a criança por se criar” – a quem nada resta senão seguir o ensino do mestre em seu caminho de trevas e ignorância).

Nada menos se exige desse profissional, nada a não ser que se torne o intermediário extremamente capacitado a mostrar as fontes, as perspectivas e o desenvolvimento sem obstáculos, sem se configurar ele mesmo em obstáculo, no cenário de uma sociedade pluralista e tecnocrática, sem contudo deixar de transmitir o senso ético e responsável, que em última instância significa nada mais do que ser humano