sábado, 18 de outubro de 2014

ODES CRÍTICAS


(Para Dilmão)


No Reino dos Moluscos

Nas colossais águas do mar abissal                                                                                
O polvo vermelho a tudo lança tentáculos
Tentando deixar nos peixes-palhaços sua gosma de sal
Peixes-palhaços, tão presos às anêmonas em seus pináculos.

E a sépia, querendo ser durona,
É obrigada a levar a concha por dentro;
A dançarina espanhola, marafona,
Sobrevive de recursos suspeitos.

E os mexilhões sugando do fundo as impurezas...

Só a lula, ó pobre lula
É que nunca viu nada
Nem desconfia
Da rapaziada...



O Grito na Garganta

O grito preso na laringe
Que se inflama de dor e de revolta
É quase oculto como a esfinge
Que do deserto não se solta.

O grito ressoa em vão
Em meio a adolescentes histéricos
Brincando de revolução,
De anos dourados e tétricos,
Com suas camisetas de Che Guevara
Compradas no Shopping da Barra.

Ressoa em meio a sindicalistas
Mal intencionados,
A professores e artistas deslumbrados
(pseudo-politizados).

Em meio a rapazes alternativos
Pseudo-intelectualizados,
A malfeitores cansativos,
Ressentidos, vagabundos, descarados.

À inversão de valores, de leis, da verdade,
À criação de uma guerra civil de pantomima,
À vileza de “giletadas” de “malandrage”,
A malas de nomes e de propina.

Barbas mal-feitas,
Alucinações de pinga,
Sorrisos de maleita,
Bruxas de mandinga.

Todo um país retrocedendo
E nunca percebendo,
Aplaudindo a invasão dos povos bárbaros
Com o fanatismo dos cátaros.

Secando todas as fontes,
Arrombando cofres com suas cerdas,
Preenchendo os horizontes
De maremotos de merda.

Foi assim que o Partido,
Sim, senhores, chamado por insistência
“dos Trabalhadores”
Acabou com as nossas vidas.

E inda que um pouco tarde e com pausas,
Podemos começar uma limpeza lerda
Como Hércules lavou os currais de Áugias
E matou a Hidra de Lerna.

Ao Hades co’a mulher de lendas mal contadas!
A que, com seu terninho vermelho,
Encheu o país de estrelas putrefatas,
Sem passado, sem futuro e sem espelho!




terça-feira, 4 de março de 2014

MARÍTIMO

Não tenho medo de pedradas e solidões.
Não vos esqueçais de que fui moldado por tempestades
Como as falésias abissais
De encontro às amplidões.

As que servem de abrigo a albatrozes macambúzios
E a gaivotas sanguinolentas.
A elefantes-marinhos ressentidos
E ostras lutulentas.

Carrego comigo a tristeza dos sargaços,
Os marulhos dos cansaços,
A ausência de abraços
Que o sal já não pode curar.

Sou pedra de sal.
Pedra do tempo.
Pedra de quartzo.
Pedra de cal.

Pedra
Com a maldição do espinho,
A memória mineral que resiste
A toda erosão do caminho.

Pedra que já não pode deixar de ser pedra.
Onda que incansavelmente se forma e se desfaz.
Redemoinho que cava o miolo da terra.
Água que se bebe e não satisfaz.

Água
Vociferando na falésia
Estrondando retumbando destruindo
Água

Contra si mesma no vazio rugindo.


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

FILOSOFIAS


Somos todos hedonistas na vida
até que vêm
as inevitáveis porradas da vida
e nos conformamos,
heroicos,
estoicos.
Nós nos fechamos em mistério, pitagóricos,
compondo versos tão órficos
e sonhamos o impossível, platônicos,
homéricos,
até o mergulho no real,
aristotélicos.
É quando num desespero quase agostiniano
tentamos explicar o sagrado, tomistas,
até que desistimos de tanto, por nossas próprias forças,
luteranos,
esperando sermos escolhidos,
calvinistas.
Mas por que então cavamos, cartesianos,
e nos enchemos de deveres, kantianos,
sintetizando vontades opostas, hegelianos,
ou mesmo lutando por alguma mudança, marxistas,
se no fim resta somente este lugar,
essa quase vontade de se matar,
existencialistas.