segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Anos 80

No meu pequeno mundo mágico de playmobil,
Ainda não se conheciam os sofrimentos do mundo:
Não se sabia, por exemplo, que a ditadura agonizava no Brasil,
Que existia uma cortina de ferro, um muro imundo,
E que a qualquer momento a Bomba poderia acabar com tudo...

Que importava?
A linguagem difícil dos telejornais não se entendia
E a cabeça de um menino decerto não comportava
Que os homens pudessem ser tão maus e viver em tamanha agonia...

O máximo que se temia
Eram os Gremlins, o Jason, o Freddy Krueger,
O monstro embaixo da cama, o pisar no formigueiro,
Os mortos-vivos de Stephen King, a Loira do Banheiro...

Longas tardes onde era tão fácil inventar o que fazer,
Onde era tão fácil ver beleza na vida,
Onde era uma aventura o próprio viver,
E se dormia um sono tão tranquilo ao fim do dia!

Ah, dormir ao som do piano de Cristopher Cross,
Dos sintetizadores de New Order, Duran Duran,
Da nova baladinha do Phil Collins
E o Menudo não parava na vitrola da minha irmã...

Minha vizinha sonhava com seu patinete, Fofolete, Moranguinho,
E meu mundo era guardado pelo Rambo, He-Man, Superamigos,
Que derrotavam todos os males do submundo mesquinho,
Vigiando atentos, da Sala de Justiça, todos os seus inimigos!

O mundo lá fora só se acessava pela Sessão da Tarde,
Onde viviam E.T., Indiana Jones, jedis e andróides de Blade Runner,
Talvez em algum lugar do passado,
Talvez de volta para o futuro,
Talvez curtindo a vida adoidado,
Talvez Caça-Fantasmas no escuro...

Antes disso, ríamos da pobreza na Vila do Chaves,
Do Chapolin – o herói burro e raquítico latino-americano,
Nos episódios da década anterior que o Sílvio Santos comprara
Do então nascente império televisivo mexicano!

Eu prometia constantemente a mim mesmo:
Um dia ainda ando para trás como o Michael Jackson,
E como o McGyver, de tudo um pouco entendo;
Um dia ainda entro num cano como o Super Mario
E chego do outro lado em forma de bits do meu Nintendo!

E eu continuava no meu castelo de cartas,
Erguendo paredes de dominó e assoalhos de Lego,
Chamando os Thundercats contra Mum-Rá (não nego),
Alheio às angústias do mundo e do Brasil,
Construindo meu pequeno mundo mágico de playmobil!

 

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Por que este blog agora?

Caros leitores,

É com muita alegria que começo a partilhar com vocês os poemas, contos, ensaios e outras coisinhas que tenho criado nos últimos anos. A página contém material do meu segundo livro - "O Cavaleiro Negro: Poesia Completa de Adolescência (1994-2004)", publicado em 2010, e também irá conter alguns contos revisados do meu primeiro livro - "Contos" - de 1999. Ah, claro, também haverá muito material inédito e, espero, interação com outros poetas, contistas, cronistas, etc.

Sejam bem-vindos!

Do poeta
Carlos Vicente.


quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Nicolau de Bari

Santa Claus is coming...
Santa Claus is coming to town....

Nicolau, Nicholas, Claus,
Hoje por tantos nomes te chamam
E em tantos matizes diferentes te pintam
Que teu rosto pensativo sucumbiu às eras...

Teus gestos simples, adotados por conheceres
A predileção de Jesus pelos pequeninos,
Incluía doar pecúnia para que moças miseráveis
Tivessem o dote para o casamento
E não caíssem na vida;
Incluía aplicar teu carisma
Para salvar condenados da decapitação;
Incluía lançar por sobre os muros das casas
Presentes às suas amadas crianças
Que não poderiam comprá-los.

Tua fama, contra tua vontade,
Tornou-se tão grande em Mira
Que ali, ainda contra tua vontade,
Ordenaram-te bispo escolhido às pressas.

E depois de morto, creio que contra tua vontade,
Levaram teus restos como relíquias a Bari,
E os marinheiros passaram a invocar-te nas tempestades
Como se fosses Jesus no Mar da Galileia...

Santa Claus is coming...
Santa Claus is coming to town....

Mas o pior crime que se poderia cometer contra tua memória
Foi emprestar-te a casa ártica,
O trenó e as renas mágicas
De lendas finlandesas
E o voo lapão com as estrelas
E acrescentar-te o trabalho romântico
De trazer presentes de Natal à surdina,
Como imaginara um escritor americano,
E vestir-te – derradeira ironia –
Com as cores do merchandising da Coca-Cola!

Oh, cristão antigo!
Fizeram-te ocultar o nascimento do Cristo
No mesmo afã com que os (in)fiéis
Do 20º e 21º séculos
Torram seu 13º salário
Na 25 de março
Como se este fosse o sentido
Do 25 de dezembro!

Oh, Nicolau, Nicolau,
Eu tenho a impressão
De que se de fato aqui estivesses,
Pegarias teu trenó encantado,
Darias o fora daqui em lágrimas
E voltarias para perto de teu Senhor:
O verdadeiro e único sentido dessa Festa!



terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Francisco de Assis

O pobrezinho de Deus,
Il poverello,
Filho do rico Pedro de Bernardone
– Comerciante, influente, dono de castelo – 

Foi lutar contra a Perúgia,
Que em guerra se levantava contra Assis,
E depois quis lutar na Puglia,
Quedando pálido em delírios febris.

Em prece na igrejinha de São Damião,
Ocorreu-lhe uma visão
Do Crucificado que lhe ordenava a sina:
“Vai e repara a minha Igreja
Que está em ruínas!”
E trocando seus ricos trajes
Pelos mendigos andrajos,
Encontra em tudo a beleza
Dos filhos do Criador.

Irmão Sol:
A lhe dar calor;
Irmã Lua:
Farol de amor;
Campinas de flores:
Graça de cores;
Pássaros cantores:
Servos levitas em seus langores;

Irmã pobreza:
A que mais preza,
Porque a tudo despreza
E por isso é rainha de tudo!

Irmão fogo: que o aquece
E que é perdoado se de leve o queima;
Irmão vento: de quem não se esquece,
Mesmo se torna em tempestade que teima;

Irmã água:
“Que é muito útil, humilde, preciosa e casta”;
E por fim a Irmã morte corporal:
Da qual nenhum humano vivente escapa.

Em santa loucura, a sabedoria de Deus
– Que é loucura para nossos vis amores –    
Abraçou o mesmo louco e santo Sermão
Que o Senhor pregou no Monte, invertendo nossos valores.

E queria levar amor ao ódio,
Ofensa ao perdão,
Fé à dúvida,
E à discórdia a união.
Queria levar verdade à mentira,
Esperança ao desespero,
Alegria à tristeza
E luz às trevas do desterro.

Preferindo aos outros em honra,
Num amor sem confins,
E assim fazendo, irmãos,
Parecia viver numa alegria sem fim.
Falando docilmente aos porcos,
Calando gentilmente às andorinhas,
Andava por terras distantes,
Pregando às gentes e às codorninhas.

Abraçava os leprosos,
Acolhia os faltosos em descrédito,
E para tornar o Natal mais intenso e mais próximo,
Inventou o primeiro presépio.

Amou tanto, até a extenuação,
Que recebeu estigmas como os de Cristo,
E em dores persistia em sua pregação,
Numa santa loucura jamais vista.

Amava Clara com amor puro,
Dum amor que não precisa de carne nem de posse,
E lhe permitiu criar a Ordem das Clarissas,
Para que as mulheres ingressassem nesse Reino precoce.

Seguido em toda parte,
Também amava quem não podia acompanhá-lo na eira,
E para estes que continuavam em seus afazeres mundanos,
Criou sua Ordem Terceira.

A Ordem Primeira, dos seus mais fiéis seguidores:
Egídio, Gil, Ângelo, Rufino, Masseo, Leão,
Que espalhavam novos ares
Numa Europa desiludida em erosão.

E todos queriam ouvir-lhe a sabedoria
E a voz da única verdadeira bondade possível,
A que flui diretamente de Deus
– Só presenteada aos mais amados Seus –

Até que um dia, quase cego,
Depois de uma dolorosa cirurgia,
Ele murmurou em angélica voz seus sonhos alvos,
E expirou na Porciúncula, quase sem ego,
Indo viver no Irmão Céu, morada dos salvos. 
Mas quando eu olho para o Poverello,
– O pobrezinho de Deus – 
Eu fico a me perguntar:
– Senhor, como te apraz,
Como podemos ser dignos de ser instrumento da Tua Paz?


Agostinho de Hipona

Mônica, já avançada em idade,
Única cristã da casa,
Orava com dor e piedade:
“Meu filho não perecerá”.

E seu filho, Agostinho,
Vivia preso aos prazeres do mundo,
Encantado com seu incerto destino.

Agostinho conhecera os leitos das meretrizes
E os meandros enganosos da retórica,
Os sonhos divagadores dos neoplatônicos,
Os maniqueus e sua bipartida ótica.

Conhecia mistérios de feitiçaria,
Pergaminhos tantos de pura vaidade,
Frequentara banquetes de idolatria
E vivia com concubina de tenra idade.

Já sendo pai, não podia explicar ao filho
O que era a Verdade, posto ainda não o saber,
E já em tragédia se convertia o seu idílio
Num palco entrevado cavado no fundo do seu ser.

Foi quando ouviu a terna pregação de Ambrósio
Sobre o Deus Absoluto que tudo vê
E sonhou com um menino com um livro sob uma figueira
A lhe dizer em desafio: “Toma e lê!”

Ah, riqueza das riquezas,
Ó profundidade do pensamento!
As Escrituras se lhe abriram então em correntezas
Como a vista do cego que Jesus salvou do desalento!

E Mônica agora, viúva e aos pés da morte,
Sussurrava em vitória: “Meu filho não perecerá”.

Ao morrer-lhe a mãe, Agostinho, comovido,
Enterra-a em seu lar natal e ali permanece
Em vida solitária, circunspecto, absorvido,
Olhando à sua volta tudo que perece.

E já agora, batizado nas águas,
Ordenado bispo de Hipona,
Preenchido seu abismo, curadas suas chagas,
Inicia sua heróica intentona.

Escrevinha sem tréguas sobre a alma, sobre o Reino,
Sobre o livre-arbítrio, sobre a Graça, sobre a Trindade.
Conhecido como o maior dos Doutores da Igreja,
Só a Deus atribui sua capacidade.

E assim permaneceu até que, velho e extenuado,
Enquanto os bárbaros sitiavam sua cidade,
Exortava os fiéis à esperança e à alegria,
Até seu último suspiro em diáfana sobriedade.

E foi assim que depois de revoltas veredas
E de estradas sem rumo,
Deus retomou para Si
Seu irrequieto e brilhante aluno.


Enoque

“Andou Enoque com Deus e já não era, porque Deus o tomou para si”.
                                                                                                     Gn 5.24

Andar, andar, andar.

Andar pelos caminhos, andar cabisbaixo.

Andar pelos campos, andar ocupado.

Andar pela tenda, andar com ternura.

Andar com teu Deus, andar contra a corrente.

Andar pelo eterno, descalçando o tempo,

Até que não haja mais volta...

Adão

Ele te teceu as entranhas dos sonhos
E ergueu tua estrutura do barro.

Ele inflou tua alma da Luz
Ele te pôs a eternidade no coração
E abriu teus olhos quando já não havia Abismo.

Tu escolheste a angústia
E o Abismo entrou na tua alma.


Poemas Aos Amigos (2010)

“And friends are friends forever
If the Lord’s the Lord of them
And a friend will not say “never”
Cause the welcome will not end
Though it’s hard to let you go
In the Father’s hands we know
That a lifetime’s not too long
To live as friends”.
                        MICHAEL W. SMITH


A Larissa Ássi

Não sei se agora
Já retornaste de tua viagem de férias,
Da tua fazendinha de utopia
– Longínqua de teu dia-a-dia – 
Onde não aceitas trabalhos insones
Ou sequer relógios e telefones.

Onde reergues sempre teu mundo verde e amarelo,
Onde caminhas sobre a relva a sonhar,
Onde intentaste erguer em criança o teu castelo
E onde hoje vês a noite com seu odre de estrelas a transbordar.

É lá que adquires teus trejeitos
E revigoras tua alma tão afetuosa?
Queria conhecer a fonte destes feitos
Que te torna possível ser querida de todos ao teu entorno
E proceder como se a deixar os dias menos rarefeitos
E sorrir como quem floresce após o outono.
Amiga,
É neste mundo tão avaro, de vida tão séria,
Que todos precisamos de almas como a tua
Que constroem em nós a ternura mais etérea.


A André Rios

Caro André,
Que formas um par perfeito com tua Larissa,
Que vives a procurar auxiliar os amigos nas dores
E achar defeitos nos bits e bytes dos teus computadores.

Que sabes fazer um networking de bons camaradas,
E o melhor layout na webpage da tua vida,
Mas talvez não contar piadas...
Recebe de presente esta poética lida,
Como um pré-presente do primeiro de agosto a chegar,
Do teu esperado aniversário em que espero estar.


A Karen Ássi

Era uma vez uma mulher pequenininha,
Que de tão pequenininha,
Cabia no coração de todos.

E era tão delicada e frágil
E eram tão ternas as suas palavras,
Que mesmo o trovão ferino e ágil
Acalmava-se diante dela.

E ela, como pequena fada que era,
Plantava dias melhores aos que a conheciam,
E ainda fiel a tudo que dissera
Contava histórias de acalanto aos que pediam.

Deixando flores e estrelas pelo paço,
Mesmo com os males da vida ao seu encalço,
Tudo se transformava em sua presença,
Posto que Deus a iluminara com tal incandescência
Que sua missão de anjo benévolo e raro
Não falhava em seu propósito tão caro.
Pequena fada de pequeninas mãos,
Se estas letras nesta página não lhe fazem justiça
Atribua a mim somente o meu pouco talento,
Pois transformar meu carinho por ti em poesia
É o alto labor do meu intento.

A Tiago Bernini

Grande Tiago,
Grande cara.

Um pouco passional,
Talvez por tuas raízes italianas.
Um febril corintiano,
Co’a paixão alvinegra que a acompanha.
E mesmo um bocado azarado
Com telhas de shopping e batidas de carro parado.

Mas tua sorte tamanha
Suplantou muito disso,
Porque encontraste tua preciosa Karen
E com ela compões tua história em uníssono.

Apareçam de novo um dia desses lá em casa,
Deves saber que farei a festinha de meu novo livro
E espero vê-los sempre
E manter estes laços vivos.


A Rebeca Estevão

Douta defensora e amiga das ideias jurídicas,
Musicista dos hinos e das sonatas idílicas,
Livre-pensadora que nunca temeu hipocrisias,
Que gosta de estilo e de idiossincrasias.

Tenho a dizer-te, se posso tanto,
Que os dias me fizeram conhecer-te melhor
E saber-te não árida como eu pensava
Nem feminista como parecia,
Mas íntegra, sincera e amável,
Sem nunca dispensar o necessário leve sarcasmo,
Que graça e brilho te emprestam
E inteligência e elegância atestam.

Estimada conspícua,
Todos aprendemos a trazer-te em afeto puro
E lembramos com saudade dos jantares em tua casa,
Com joguinhos, Elton John e livros vários nas estantes.
Sabes que a vida é bela por causa de tais instantes...

Mas ainda que insistas nos méritos do Largo São Francisco
E faças ressurgir tais argumentos às vezes,
Tenho a dizer-te, sem prejuízo de nosso vínculo,
Que eu ainda prefiro os do Mackenzie...

A Ícaro Fontes

Meu caro amigo (já dizia o Chico...
Cartas a amigos não se ressentem de clichês poéticos...)
Que herdaste o mesmo dom de coisas a construir
Do teu homônimo filho de Dédalo,
Que herdaste da mineirice um quê de calado e observador
E encontraste na douta defensora o procurado amor.

Meus votos mais sinceros de felicidade plena.
Espero que vejas muitas vezes o Cruzeiro campeão.
Espero que tenhas expediente abençoado em teu novo estágio
E que vivencies crescimento rápido na tua Engenharia de Produção.
Mas, ao contrário de ti, caro amigo novo,
Eu espero que a Dilma não ganhe, pois não o merece meu povo...

A Ludmila Jones

Lúdica Ludy,
És a mestra tímida das tardes,
Tecendo tuas aulas em silêncio,
Conjugando versos oníricos e belos
Com que teceste teus meigos anelos.

Assim meio acadêmica, meio esportista
Competitiva, perfeccionista
Com tanto jeito com criança
Com sincero engajamento
Com espírito de perseverança
Com “muito movimento”
Guardas pura dentro de ti
Uma essência etérea de temperança,
Só declinando o verbo to be
Com objetos de esperança.

E na morfossintaxe de tuas poucas palavras
Vive um lirismo tão belo a se esconder
Que a filologia moderna não pode traduzir
A antiga e sólida poesia do teu ser. 

Guarda, amiga, estes versos singelos
No livro de exercícios dos teus dias vindouros,
Para que não te esqueças do teu amigo
Que te deixa escrito afeto sincero,
Que não entendia nada de futebol
E não via graça nos Jogos de Inverno!

Ao Reverendo Fabiano de Almeida

Conselheiro das horas difíceis
Que me trazia a Palavra de Deus
Em fronts de batalhas terríveis
Em meio a militantes ateus.

Ensinaste-me a descobrir a cosmovisão camuflada
Em cada investigação supostamente neutra
E a encontrar tal Weltanschauung obnubilada
Que só não escapa ao bom hermeneuta.

Opondo-se a Kant e sua lógica fria,
Opondo-se a Nietszche e sua inconstante rebeldia,
Opondo-se a Aristóteles e sua mundana eudaimonia,
Opondo-se a Sartre e seu vazio de antinomia,
Escolheste Kuyper, Dooyeweerd e Calvino,
Pois toda razão crente não se entrega a desatino,
Mas se rende perplexa ao escabelo do Criador
E só serve como instrumento de paz e de louvor!

Sabes que muito te devo pelas horas em que me ouviste,
Em que foste um dos poucos a conhecer a angústia minha
E agora que Deus me fez mais sólido e em ótima companhia
Posso deixar para trás o passado de crivo triste.

Guarda teu bom combate de forma perene,
Manda lembranças à Luciene,
E mantém sempre sóbrio teu ensino
Distante de xaropes como São Tomás de Aquino!

À mais amada

À mais amada
Deixo a carta ora criada,
Co’a lembrança adorada
Dos meneios que só teus.

Mônica de todas as tardes,
Mônica de todas as noites,
Por que tanto tardaste
A chegar ao meu sonho insone?

E na vida fatigada,
D’alma desperdiçada,
Na simbiose co’este mundo,
Tão vil, tão absurdo,
Que desconhece reais amores
E por isso assim se encontra
Definhando em estertores,
Empreendo fuga rápida
À solidão ora tão plácida
Que me permite fugir às salas
No parco intervalo entre as aulas
Para compor uma nova ode
Que é só o que o poeta pode,
À guisa de descrever tão pobremente
O que se não pode senão nobremente,
Mas me falta o necessário canto
Diante de amor tão doce e amplo;
Faço o tangível em breves versos
E não me oculto ou tergiverso
Para te dizer quem és!

Rainha de elementar virtude,
Princesa de solfejo puro,
Pérola de magnitude,
Senhora de portar seguro,
Dona dos meus devaneios,
Rosa dos meus segredos,
Lírio dos meus enleios,
Deleite dos meus vinhedos,
Companhia dos meus dias todos,
Dádiva atendida dos meus rogos,
Borboleta minha a adejar
Para em meu peito repousar,
Guizo de oropêndola,
Alma de calêndula,
Infanta em terras de contos,
Véu de cândidos pontos,
Menininha dos cachos lúbricos,
Anjo de braços translúcidos
Que quando do ocaso a despontar
Criam matéria para me abraçar
E colho beijos tantos
Que enlevado em tais encantos
De verdes olhos santos
Desconheço dor e prantos.

E eis que em estado de poesia amamos
E assim não deixa de sê-lo ao passar dos anos,
Que fascinar-me a cada dia
É minha delícia e minha sina.