terça-feira, 23 de maio de 2023

FÉS

 

“Que a fé 'tá na mulher
A fé 'tá na cobra coral
Oh, oh
Num pedaço de pão.

A fé 'tá na maré
Na lâmina de um punhal
Oh, oh
Na luz, na escuridão.
Andá com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá (olêlê)”

Gilberto Gil – “Andar com Fé”

 

Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se veem”. (Hb 11.1)

 

 

Apanhar um pão de Santo Antônio,

Um cão doente benzido por São Francisco,

Um carro velho benzido por São Cristóvão,

Uma rosa de Santa Rita,

Uma rosa de Santa Teresinha,

Uma chave de São Pedro e São Cipriano,

Um vaso de espadas de São Jorge,

Um saco de balas de São Cosme e Damião,

Um acarajé de Iansã,

Uma pipoca de Omolu,

Uma pulseira do Senhor do Bonfim,

Uma pomba branca do Espírito Santo,

Uma pomba branca do opaxorô de Oxalá,

Um tridente de Exu,

Um tridente de Shiva,

Uma pena de pavão de Krishna,

Uma moeda de Lakshmi,

Uma presa de elefante de Ganesha,

Uma maçã de Idunn ou de Afrodite,

Uma toalha suada do apóstolo Valdemiro Santiago,

Uma porrada de paletó do pastor Benny Hinn,

Um gato da sorte japonês,

Um rosário católico,

Um japamala budista,

Uma roda de orações tibetana,

Um copo d’água magnetizado pelos espíritos evoluídos;

 

Pendurar pedidos em papeis no Akimatsuri

Ou despachá-los na barquinha com espelhos de Iemanjá;

 

Pendurar um quadro do anjo da guarda sobre a cama;

 

Acender uma vela pra Chaguinhas na Igreja das Almas dos Enforcados na Liberdade,

Mais uma pras 13 almas do Edifício Joelma no Cemitério da Vila Alpina;

 

Dançar na missa conga de São Benedito no Lardo do Paissandu;

 

Trazer ao pescoço uma figa, um trevo, um olho grego e uma carranca,

Uma estrela de Davi, um crucifixo e um hilal;

 

Mobiliar a casa de acordo com o Feng Shui;

 

Equilibrar no corpo o yin e o yang;

 

Fumar maconha ouvindo reggae com jamaicanos,

Trajando vermelho, amarelo e verde,

Cultivando o leão interior, vegetariano,

Cultuando uma extensa linha de reis etíopes;

 

Tomar a ayahuasca, aspirar o rapé

Com xamãs urbanos, fechando os olhos

Pra ver índios, araras e constelações caleidoscópicas

Mergulhado em sensação orgástica;

 

Devorar seres humanos cada vez mais jovens em orgias,

Devorar comidas cada vez mais caras em banquetes,

Pra sentir transcender todo poder humano;

 

Chicotear-se na Ashura, na Sexta-Feira Santa;

 

Pintar ovos na Páscoa;

 

Emular os mortos-vivos atormentados no Halloween,

Conversar com seus túmulos no Dia de Finados,

Oferecer-lhes missas votivas no sétimo dia de sua morte

E no primeiro mês e no primeiro ano,

Guardar suas fotografias para que seus sorrisos não se apaguem das mentes dos vivos;

 

Tecer guirlandas no Advento do Natal;

 

Pensar positivo, bater na madeira três vezes, acordar com o pé direito, ler livros de coaching e autoajuda;

 

Desprender-se paulatinamente dos bens materiais, da carne, do ego;

 

Gastar um fim de semana no voluntariado;

 

Ver todas as eras como um grande desfile de Carnaval;

 

Escalar cada um dos ramos da árvore das dez sefirot da Cabala,

Dos trinta éons do neoplatonismo, dos degraus da escada de Jacó;

 

E na dúvida do sentido da vida e no leito da espera da morte,

Tu finalmente verás a Deus?