quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

EPIGRAMAS

                      
A Rosa Púrpura do Cairo
 

A personagem saiu da tela

E não gostou da história real:

O enredo é monótono

Arrasta-se o final.

Os atores quase sempre medíocres

E os espectadores sempre míopes.

 

Balões a gás

 
João Baloeiro

Sonhava com seu ofício:

Peidava sob o cobertor

Riscando um fósforo no orifício.

 

O Realejo

 
O velho do realejo

De olho na coroa

Girando o mudo desejo

E o papagaio dançando à toa.

 
A coroa tirou um papel

O papelzinho dizia tragédias

Mas por que tanto fel?

– De um papagaio só se espera comédias –

 
A coroa se foi em fúria tanta

Que o velho permaneceu no estio

Em casa, tomou um banho frio

E o papagaio virou janta.

 

Incidente Animal


Na pasmaceira do zoológico

O hipopótamo, titã ilógico,

Cagava na hélice de seu rabo titânico:

Público pagante cagado e em pânico.

 


No Reino dos Moluscos


Nas colossais águas do mar abissal                                                         

O polvo vermelho a tudo lança tentáculos

Tentando deixar nos peixes-palhaços sua gosma de sal

Peixes-palhaços, tão presos às anêmonas em seus pináculos.


E a sépia, querendo ser durona,

É obrigada a levar a concha por dentro;

A dançarina espanhola, marafona,

Sobrevive de recursos suspeitos.

 
E os mexilhões sugando do fundo as impurezas...

 
Só a lula, ó pobre lula

É que nunca viu nada

Nem desconfia

Da rapaziada...

 

OUTROS HAIKAIS


Mozart saltitante

arlequim de réquiem

dramático infante.

 

 

Luz original

luzia na sinfonia

Mahler sideral.

 

 

Sibelius sibila

acordes níveos, fiordes,

tormentas na quilha.

  

O velho sem tempo

jogava fora seu tempo

como joga damas.

 

  

Ó chuva da tarde

Da impossibilidade:

Diz-me a razão!

 

 

– Olhos felinos –

A menina libertina

anda de gatinhas.

 

 

Menina frustrada

furando plástico-bolha

tal se fosse a vida.

 
 

Meia perdida

na máquina de lavar

tal homens na vida.

 

 
Origami em voo

sobre um lago de sulfite

e carpas de giz.

 


Coração granito

Indiscreto como quartzo

Tão duro de amar!

 

 
Infeliz escravo!

Sonhava co’a senzala,

Trazia os ferros n’alma!

 
                      

Eu, sendo um gaijin,

Sou metido a ser haijin:

Desgosto a Bashô.

  

 

Farol que ilumina

Cada passo do caminho

de pedra: é a fé.

 

 

sábado, 26 de janeiro de 2013

Psicanálise


O Dr. Freud disse:

Tem sexo aí.

O Dr. Jung disse:

Tem um símbolo mítico aí.

O Dr. Adler asseverou

que o problema era de integração social.

O Dr. Carl Rogers sugeriu

a interação em grupo.

O Dr. Moreno sugeriu

a interpretação dramática.

O Dr. Frederick S. Perls disse

para analisar a situação como um todo

e focar-se no aqui-e-agora

(que pérola!).

E o Dr. Burrhus Frederic Skinner mandou

condicionar um novo comportamento

(que burro!).

Já o Dr. Howard Gardner disse que eu ia me encontrar

quando encontrasse qual o meu tipo de inteligência

nas inteligências múltiplas.

Certamente que não é

a inteligência emocional de Daniel Goleman,

Se não eu não estaria aqui

E a minha vida em frangalhos, não é, doutor?

E eu continuo pagando

duzentos paus a consulta

E ainda não resolvi

droga nenhuma!

Por fim me mandaram tentar o zen budismo

Para atingir a iluminação,

Mas este mês

Eu não paguei a conta de luz.

 

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Um Passeio de Haikais


Nestas férias, participando de uma oficina na Casa das Rosas chamada “Haicai: Um exercício de iluminação poética”, recebi a tarefa de fotografar momentos da vida e produzir meus próprios haikais. Aceitei o desafio – não sei se venci – mas foi este o resultado...

 

 Haikais:

 

Vê que a estrela é alta

Escandalizando luz

– o homem é vil –

 
 

O verão lá fora:

O sol em todas as faces

– Outono aqui dentro –

 

Só há uma vida:

A primavera chegando

E a alma com invernos...

 

 
Sapo: bufão-mor

Barítono da várzea

Só grilos aplaudem...

 

 
Visita aos pais

A casa já não é minha

O café é mais quente.

 

 

Restos de passado

Naus de ossadas líricas:

Destino do ego?

 

 
A minha mulher

Planta as flores do jardim

– Seria eu capaz? –



 

Caneca de sempre

Ternura de porcelana:

Vai quebrar um dia?

 
 

O macaquinho

Com seus óculos pesados

Diz o inaudível.

 
 

Maçãs intocadas

Esquecidas na fruteira

Esperam seu fim?


 

Páginas das eras

Solidão nestas estantes

O leitor é um fungo.

 

 
Blues e rock n’ roll

 – Canção da vida e da morte –

Borbulha no sangue.

 

 

Falar sobre quê?

Poesia está na rua!

– Bradaram as musas –

 
 

Precauções na mala

Um chapéu pra passear

E talvez voltar.

 
 

Passeia comigo

Pois o dia está cinzento

E não é perfeito? 



 
Janelas não veem

que sonho nasce do cinza:

Passantes não leem.



 
Nas esquinas tumbas

Cadáveres se encontram

Sem dizer palavra.


 

Uma bailarina

– Equilíbrio de papel –

Dança no vazio.

 
 
 
Diário café

Aquece todo marasmo:

Smoke on the water.

 
 

Krishna na vitrine

a tocar sua flauta

e ninguém lhe ouve.



 

Siddartha em silêncio.

Mas a voz do interior

Teria as respostas?

 
 
 
Pedro afundava

E se atrevia demais

Porque hesitava.

 
 
 
(Diante do Túmulo)
 
Vocês aí dormem?

– A criança quer saber –

Há sonho? É bom?

 
 
(Cemitério)
 
A plateia muda

Espera em outro lugar

– não jardim de pedras –

 
 
 
Voltar, mesmo lar.

Ir e voltar sempre e sempre.

Um dia, lar para sempre?

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Águas Amargas (Da "Epopeia Árida")


“As palavras esmagam-se entre o silêncio

que as cerca e o silêncio que transportam.”

      Manuel António Pina

 

 

As palavras esmagam-se entre o silêncio

que as cerca e o silêncio que transportam

como uma bobina de metal de existências

estampadas no anverso que denotam.

 

Carregam rios de discursos inefáveis

putrefatos de nenúfares de risos,

servem de leito a barcaças de memórias

inventadas em sonhos nunca tidos.

 

O rio que era e que é verdade

é tão sólido quanto sua foz naufragada,

e tão líquido quanto vagas vazias

espumando no grande encontro com o nada.

 

Não derrames, no entanto, as tuas lágrimas

sobre as sombras que faustosas nele passam,

pois o Belo é de si mesmo a valia,

sendo a seiva das horas que estilhaçam

 

e o sentido da viagem o soube Ulisses morto:

é o estar-se navegando e não o porto.