terça-feira, 31 de março de 2015

WILLIAM COWPER


Enquanto mil demônios balouçantes,
Entre exércitos de mortos de Alexandre Névski,
Qual estrofes decassílabas de Dante,
Qual oratórios de Penderecki,
Entoavam torpes lamentos de desespero
Em seus ouvidos cansados de desterro,


William Cowper, abarrotado de desesperança,
Tentava pôr fim à vida sem tardança:
Lançou-se sobre uma faca e esta se quebrou.
Lançou-se ao Tâmisa e alguém o segurou.
Tentou enforcar-se, mas um vizinho apareceu.
Entupiu-se de antidepressivos, e a empregada o socorreu.


Quão miserável foi a sua passagem pela Terra!
Aos cinco anos, a mãe lhe morria.
Aos dez, enviado a um dos piores internatos da Inglaterra,
Lugar de violações, perseguições e ira,
Onde chorava convulsivo sob um travesseiro
Na angústia de saber que amanhã é um dia inteiro...


Preparado para a advocacia, não suportou os exames da
[magistratura.
Não suportou a negativa de casamento com sua prima Theodora,
Não suportou seu mundo cinzento de amargura,
Nem as migalhas de vida que tinha agora.
Quedou-se na doença incurável que chamavam melancolia,
Internado num hospital para loucos de toda categoria.


Em contato com a Natureza e as Escrituras,
Parecia lentamente então curar-se,
Como se a Revelação Geral e suas tessituras,
Como se a Revelação Especial e suas verdades puras,
Como bálsamo em suas tristes sinapses entrasse.


Mas foi na casa de seu amigo John Newton
(O ex-escravo que se tornara pastor)
Que começou a sentir a paz e o amor
Que antes só encontrava em Homero e Milton.
Com aquela família orava, lavrava, cantava,
E até foi convidado a compor os hinos que tocava.


Newton compusera o famoso “Amazing Grace”,
E Cowper, o “There is a fountain filled with blood”
E “God moves in a mysterious way”.
Por essas palavras – preces e odes –
É que mais dele nos lembramos,
Mas ele também foi dos românticos o decano.


Seu legado poético ia sendo marchetado em filigranas,
Enquanto a família de Newton ia morrendo.
A casa ficando vazia de sorrisos e de dramas
E o poeta co’a Solidão ia vivendo.
Corpo e alma definhando por buracos internos
A sugar-lhe qual vermes os sonhos sempiternos.


Na noite escura da alma, escura e mais escura,
Ia errante por Londres a carruagem.
O cocheiro se perdera nas ruas de breu e bruma,
E só isso o salvou da impensada viagem:
Ia atirar-se ao rio de espumas gélidas
E findar co’o caçador de afeições famélicas.


Por fim agradeceu a Deus e ao cocheiro,
Que a Providência impediu o desatino.
Suportasse mais um pouco o exílio traiçoeiro
E evitaria o Inferno de destino!
Assim passaram-se os dias até chegar a hora,
E o seu Deus, finalmente, o libertou e lhe deu a glória!


Em dias como esses, de triunfalismo,
É bom lembrar que existem santos atormentados,
E não é nosso julgamento raso de farisaísmo
Que deverá censurar-lhes sem andar nos seus sapatos!





segunda-feira, 30 de março de 2015

JOHN WESLEY

Tição tirado do fogo,
Ardia teu coração em Aldersgate,
Ardia teu espírito quando pregavas,
Ardia o clamor das almas!

Filho de Susana e do Reverendo Samuel,
Criado na piedade materna e liturgia anglicana.
Teus muitos irmãos dividiam pouco espaço,
Mas não faltava espaço p’ra uma disciplina bereana.

Um dia, quando tua casa despencava em chamas,
Todos saíram, menos tu, que quedavas adormecido.
Milagrosamente conseguiram tirar-te do segundo andar
E tua mãe neste dia soube que Deus te havia escolhido.

Brilhante aluno no internato,
Jovem precoce em Oxford,
Fundaste um grupo para que te vias chamado
E todos falavam do garoto de Epworth.

Havia tanto método no estudo e na oração
Que outro nome não viram para vós que metodistas.
Ali dividias as prédicas com teu irmão Charles,
Com o corajoso Whitefield, fazendo intercessões e visitas,
Pregando nas ruas, nas prisões, nos porões imundos,
Cuidando dos miseráveis, dos esquecidos, dos pecadores,
Repetindo “A minha paróquia é o mundo!”,
Já que nos púlpitos oficiais só tinhas detratores.

Magoava-te a escolástica protestante erigida nas denominações,
O Deus-Relojoeiro autômato e naturalista das pregações,
Enquanto os “restos indesejáveis” da Revolução Industrial
se acumulavam pelas ruas e masmorras de uma Inglaterra bestial.


Demoraste para compreender que a salvação é pela graça,
Pregaste para os nativos da América e falhaste,
Amaste uma moça e neste noivado fracassaste,
Mas o homem de Deus só espera d’Ele sua taça.


Bebeste dos néctares celestiais,
Espraiando amor e construindo tua vida com heróis.
Reformaste o sistema educacional, prisional, teológico,
E continuavas, mero pescador de homens, lançando teus anzóis.


Deves ter andado e cavalgado 400 mil quilômetros
E pregado 40 mil sermões.
E mesmo sob chuva ou frio, neve ou trovões,
Mantinhas o mesmo coração aquecido de doces verões.


Teu legado muito suplantou o que esperavas.
E se vísseis o que contigo aprenderam os homens enfim,
Não chorarias nas poucas vezes em que te desesperavas,
Mas verias que hoje, mais do que nunca, precisamos, 
[desesperadamente, de homens assim!





JOHN BUNYAN


A sentença foi promulgada e transitou em julgado:
Doze anos de reclusão por pregar sem permissão.
Pregar nas ruas, fora da igreja constituída, fora da lei do Estado,
Salvando almas de pobres que pouco interessavam à nação.


Irmão leigo, que à Igreja Batista de Bedford servia,
Funileiro tão pobre que mal podia manter a família:
A primeira esposa morreu, a filhinha cega lhe angustiava,
Seus parcos estudos não lhe permitiam outra homilia.


Das suas leituras mesmo, só a Bíblia – a Inefável Palavra,
E os Comentários sobre a Epístola aos Gálatas, de Lutero.
De resto, sua literatura só nasceu da imaginação de sua lavra,
Da sua disciplina de escrever e ensinar, e do sofrimento austero.


Seus doze anos de prisão nos deixaram O Peregrino:
Ó inefável obra que a milhões serve de consolo e esteio,
E que a mim mesmo me serviu de manual interino
No início da peregrinação do caminho estreito!


Suas cadeias não lhe prenderam, Bunyan, poeta imortal!
Sua alegoria perene serve-nos de lição bem real!
Sua final libertação e o resfriado que lhe pôs fim aos dias
Também não lhe enclausuraram, nem mataram sua fantasia!


Agora o Peregrino, o de verdade,
Entrava no Reino dos Céus,
Levando o Certificado do sangue de Cristo
(sua identidade)
E colhia finalmente entre palmas seus lauréis!


 

quinta-feira, 26 de março de 2015

JOHN KNOX


“Eu não tenho medo de todos os exércitos da Escócia, eu tenho medo da oração de John Knox!”

Maria, a sanguinária



Você não era um brilhante intelectual,
Nem um homem alto ou sadio ou forte.
Foi ordenado padre sem qualquer diferencial
E mais servia como notário que como sacerdote.

Suas leituras de Jerônimo e Agostinho
Já lhe inclinavam naturalmente para a Graça.
Conhecia a Reforma sem conhecer o monge Martinho
E não sabia o quanto lhe custaria tal ameaça.

Você era patriota, cristão e defensor da liberdade.
“Dá-me a Escócia ou morrerei!”, era sua oração.
Queria que sua pátria conhecesse a Verdade
E a ela doava integralmente seu coração.

Os boatos lhe envolveram no assassinato de um cardeal
O que causou a intervenção de Maria de Guise.
Condenado a remar nas galés como um Ben-Hur ancestral
E depois exilado à Inglaterra de mais tiranos vis.

Chegou a servir fielmente na Igreja de lá.
Há um pouco da sua mão no Livro Comum de Oração.
Tudo ia bem até Eduardo morrer e Maria o trono dominar:
A católica queria levar os protestantes à destruição!

Refugiado em Genebra, estuda aos pés de Calvino.
Sai com a missão de construir a nova Igreja em grande guerra.
Teria de lutar até o último dia, pesado destino,
Como Elias lutara com Jezabel em sua terra.
Seu porte franzino se compensava entre os seus
Por sua oração insistente de Gideão,
Como a de Jacó lutando com seu Deus
Nas madrugadas de lágrimas no chão.

Sua timidez desaparecia no púlpito:
Sua voz se inflamava do Espírito, às alturas,
Como águia que espreita e mergulha de súbito,
Atacava no coração dos fieis as dúvidas, as agruras.

Assim levantou uma nação,
Assim começou uma guerra civil,
Assim o Parlamento aprovou a nova Confissão,
E a Terra de Santo André não era mais servil.

Pela primeira vez chamaram-se presbiterianos
E continuariam mudando a História no Novo Mundo.
O Sul de fortes raízes, a Nova Inglaterra dos puritanos,
As missões que enviaram, as escolas fundadas, o esmero em tudo.

“Leia o capítulo onde lancei minha primeira âncora”.
Essa foi sua frase no leito de morte
À sua amada esposa que lhe via partir
E ela leu João, 17, sobre os cristãos e sua sorte:

“Não peço que os tires do mundo, mas livra-os do mal”.
“Santifica-os na tua verdade, a tua palavra é a verdade”.
Como Jesus se despedia dos discípulos ao final,
Assim também deixou seu povo, com amor e sobriedade.
Não deixaram de caluniar-lhe,
Mas que importa, quando Deus lhe conhece?
Se o mundo está pronto a expropriar-lhe,
Acumula no Céu o tesouro que não perece!

Só assim pôde se desarmar.
Guardou sua armadura, sua flâmula azul e branca,
E agora entre os santos, entre os anjos a louvar,
Sua alma descansa, sem ânsia, na Glória que tudo suplanta!




MARTINHO LUTERO

Ia o jovem para casa,
Os tomos de Direito nos braços,
O coração apertado,
A anfechtung[1] na alma.


A tempestade desabou sobre o jovem,
O raio tombou a árvore:
“Sant’Ana! Virgem Santíssima!
Mantenham-me vivo que serei padre!”


Não podendo descumprir a promessa,
Ia o jovem ao convento agostiniano;
As maldições de seu pai em seu rastro,
A dúvida enorme dentro de si.


Ia o jovem das preces ao claustro,
Do claustro às preces;
O crucifixo no pescoço,
A anfechtung na alma.


Passando os dias, já Doutor em Teologia,
Preparando-se para pregar,
Divisou o que nunca antes vira,
Abriu-se-lhe novo limiar:


“O justo viverá pela fé”.
“A salvação vem pela fé”
“Dom gratuito de Deus é a fé”
“Não se agrada a Deus sem fé”.


Assim a anfechtung finalmente terminou
Mas a caçada começou.
Doutor Martinho foi visto com pavor:
“Um javali nas vinhas do Senhor”.


Enojava-se com a lembrança da viagem a Roma,
Enojava-se com Tetzel vendendo indulgências.
Salvar-se-ia um corpo podre até as plantas dos pés,
Podre em seus membros, podre em suas exigências?


Então como um rugido que abalou o mundo,
Fixou na Catedral de Wittenberg as suas teses
E começaram a ruir neste segundo
Séculos de entulho de tradição e seus reveses.


Aos poucos, expunha o monge iluminado
Toneladas de erro e miopia:
Que Pedro não foi o primeiro Papa;
Que não era co-Redentora Maria;
Que nunca houve Limbo ou Purgatório;
Que transubstanciação era mito ilusório;
Que não se devem aceitar ensinos e iluminuras
Fora do texto inspirado das Escrituras;
Que não se deve buscar intercessor
Que não seja Jesus, Nosso Senhor;
Que o crente não deve exercer seu ministério
Trancafiado na proteção de um monastério!


Querendo calá-lo, o Papa o excomunga.
Querendo protegê-lo, seus amigos o guardam num castelo.
Mas o ex-monge, em sua esperança profunda
E em seu espiritual anelo,
Canta como um anjo no pináculo
Enquanto traduz a Bíblia para o vernáculo:
“Castelo forte é nosso Deus, espada e bom escudo!
Com seu poder defende os seus em todo transe agudo”.


E assim é que peleja no Debate de Leipzig,
E assim é que peleja na Dieta de Worms,
E assim é que se casa com uma ex-freira:
Catarina von Bora, a fiel companheira.


Desafiando o Papa,
Abrandando camponeses,
Intervindo entre príncipes,
Ensinando e pregando tantas vezes...


Uns lhe chamaram monge louco e beberrão,
Outros lhe cognominaram um Elias da restauração,
Na Alemanha é tido como herói nacional
E para alguns um proto-nazista radical.


Não conheço seus pecados ocultos
– Apenas se sabia pecador como nós –
Mas repito com louvor resoluto
O que ele dizia com enérgica voz:


“Solus Christus[2],
“Sola scriptura[3],
“Sola gratia[4], sola fide[5],
Nada de teologia obscura!


Ele morreu depois de uma longa viagem
Para levar a uma contenda a concórdia
E expirou em rendição total a Deus,
E assim termina a nossa história!


Soli Deo gloria[6]



[1] Termo alemão geralmente traduzido como “tentação”, mas que também significa pavor, desespero, sensação de perdição, agressão e ansiedade.
[2] Em latim: “Só Cristo”.
[3] Em latim: “Só as Escrituras”.
[4] Em latim: “Só a graça”.
[5] Em latim: “Só a fé”.
[6] Em latim: “Glória somente a Deus”.



JOÃO CALVINO

Teu pai já conhecia
Os meandros da hierarquia
De uma Igreja em decadência
Na Paris da Renascença.


Um teu irmão foi padre,
Teu sustento era eclesiástico,
Tua educação era escolástica,
Tua paixão era a estoica prática.


Debruçavas-te sobre textos de Cícero
Tentando colher num humanista ímpeto
As soluções para esta vida malsã,
No esteio de Erasmo de Roterdã.


Já amavas o esplendor da Teologia
Mas teu pai te queria na advocacia.
O Direito lhe parecia mais rentável
Neste mundo de litígio e mercancia.


Quanto tempo até poderes te libertar!
E te debruçar na Teodiceia das Escrituras!
Ninguém sabe quando descobriste o despertar
Da Reforma se espraiando até as alturas.


Tua vida mudou tanto...
Teus passos não paravam:
Estrasburgo, Ferrara, Genebra.
As perseguições te encurralavam...


Só querias tranquilamente meditar
Sobre os Salmos de louvor,
O Eclesiastes melancólico,
Isaías e seu clamor.


Em teus dias as leis se apagavam
Pra dar lugar ao Apocalipse, seus anjos e bestas,
Pra seguir o Povo Eleito no deserto, seu maná e suas festas,
Enquanto teus princípios rígidos se edificavam.


Desde a fundação do mundo,
Assim Deus escolheu o homem de fé.
Do contrário, como poderia o pecador
Por si mesmo absolver a consciência ré?


Oh, mistério dos mistérios!
Tão profundo e sereno quanto o lago genebrino,
Tão belo, simples e complexo, qual tulipas de inverno:
Deus, Senhor de tudo, não era dono do Destino?


Querias nestas cousas pensar
Mas te amaldiçoou Farel:
“Que na tua contemplação nunca tenhas paz!
Há tanta ovelha sem pastor buscando o céu!”


Em Genebra ficaste, governaste, pregaste.
Rebelaram-se contra ti, insultaram, cuspiram.
Contra hereges e rebeldes lutaste
E a todo tempo te denegriam.


Tua bela Idelette, teus filhos,
A peste levou.
Teu arqui-inimigo Miguel de Serveto
(Que atacava a Trindade, que o inferno negou)
O Conselho da Cidade queimou.


Tu ordenaste? Tu consentiste?
É esta tua mancha a carregar pelos séculos?
Todo Davi tem um profeta Natã que insiste
Em apontar-lhe a Bate-Seba de dias ébrios?


Foi daí que começaste a declinar?
Acrescentando às Institutas
Os comentários a cada livro bíblico,
Mas jamais encontrando às tuas mágoas fieis substitutas?


Teu corpo e tua voz rangiam
De gota, de tumores, de sangramentos.
Ao púlpito carregado te conduziam
E em teu quarto não cabiam mais lamentos.


Teus discípulos da Academia te orgulhariam?
John Knox, o escocês, lá implantaria a Igreja?
Tua forma de governo e disciplina, que da Bíblia fluíam,
Aplicar-se-iam com ordem, com amor cristão e com nobreza?


Saberias tu que Max Weber
Te acusaria de inventor do capitalismo?
Que a Igreja de Roma, temerosa e rancorosa,
Te acusaria de usura, lassidão e despotismo?


Foi assim que morreste:
Debaixo de trovoadas de todos os lados,
Enterrado em sepultura não marcada,
Pra evitar a idolatria e os descalabros.


Tua herança sobreviveu forte:
Puritanos, presbiterianos, congregacionais.
Teus soldados inda lutam contra a ignorância e a morte,
Poucos luminares em trevas abissais.


E por mais que te acusem liberais, arminianos,
Tua obra não pode ruir pela humana maldade,
Pois foi calcada nos desígnios e arcanos

Do seio profundo da Eternidade!