O tema da presente missiva
É um conteúdo não
afeito às suas memórias
Mas que, faz-se
mister, deveria ser dito há tempos
E é mui diferente de
outras histórias.
Pois a cada dia em
que vejo a esperança em seus olhares
E o luzir da
descoberta em suas vidas
Qual meninos da
academia platônica em disputas e indagares,
Eu me pergunto se sou
digno desta lida.
E a cada dia que vejo
em suas faces a apatia
E a fala áspera e
pobre das vidas rotas que trazem de seus lares
E a falta de
compreensão de todo um povo por nossa litania
Eu me pergunto se sou
forte o bastante para uma vida de tantos [pesares.
Quando um dia no
passado eu tomei esta decisão de amor
De abandonar o viver
e trabalhar para mim mesmo
Para fazer-me doação
completa de mente, coração e vigor,
Eu descobri que
minhas palavras não são lançadas a esmo.
Então vi que podia
transformar vidas
E que podia formar
novas óticas,
Que podia atenuar
lidas
E tornar existências
menos medíocres, menos óbvias.
Vi também que mesmo
trabalhando por isso tudo
Eu veria sempre todos
partindo
Construindo suas
sagas – heroicas ou inglórias –
Deixando para trás os
velhos corredores ruindo.
E eu permaneceria nesses corredores – ano após
ano
Criando raízes como
os pés das mesas
Com mãos calcárias de
um renitente decano
Falando a gerações
cada vez mais cheias de incertezas.
Por isso eu trago à
lembrança
O dia do meu
compromisso assumido
Em que elegi tal
sacerdócio que tanto exige
E que pode me fazer
de mim mesmo perdido.
Não foi para isso que
Deus assim me fez?
Para estender
incondicionalmente os braços,
Lapidar joias
enquanto eu mesmo me lapido
Ainda que na dor,
incompreensão e esgarçar dos laços?
Em um país que mutila
a alma de seus mestres
E fabrica índices
tolos de sabedoria demográfica,
Apenas, companheiros,
cantemos nossa nota perfeita
Porque ela soa bela
mesmo em meio à balbúrdia trágica.
É só por isto que
insisto, alunos meus,
Porque são vocês que
nos fazem continuar.
Seus risos, vozes,
sonhos e jovens vidas
Enchem-nos da
incansável mania de lutar.
Ano após ano, mês
após mês,
A ternura de menina
E o ímpeto de menino,
Que nos fazem lembrar
de nosso próprio passado com certa [desfaçatez,
Colorem essas paredes
frias, impessoais,
E nos reconciliam com
o passado e seus traumas imortais.
Nós que dedicamos
nossa vida a uma ciência
E sabemos lidar
melhor com livros do que com pessoas
De repente precisamos
aprender a amar com sapiência
Numa paciência
infinita de pai que perdoa.
Valeu a pena? Não
posso responder de forma símplice
Com o lugar-comum do
luso poeta atormentado,
Mas adapto seu verso
dizendo que tudo valeu a pena
Se tornamos maiores
as almas dos que nos foram confiados.