“As
fadas… eu creio n’ellas!
Umas são moças e bellas,
Outras, velhas de pasmar…
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, à beira do mar…
Algumas
em fonte fria
Escondem-se, enquanto é dia,
Sáem só ao escurecer…
Outras, debaixo da terra,
Nas grutas verdes da serra,
É que se vão esconder…
O
vestir… são taes riquezas,
Que rainhas, nem princezas
Nenhuma assim se vestiu!”
ANTERO DE QUENTAL
I
Em leitos perfumados de rosáceo sonho,
De gozo se abrem as pétalas das mãos.
Acariciam o ser, o corpo, a alma,
Teus olhos me fazem cristais pelo chão.
Esparges luz em tua pele plenilúnia,
Beijas orvalhos com tua boca de sol,
Teus seios, carpas silvestres carmesins,
Encontram meus lábios, sedento anzol.
Teu ventre palpitante de volúpias
Enterra minha ventura ou desventura
Em delícias, nas palavras que soluças
Em meus ouvidos que te buscam como cura.
Mulher, fada, destino, ninfa,
Anjo de noites que dormem saciadas,
Espírito das flores, rios, pequenas
vidas
Dos seres do ar que flanam suas asas!
Por que és tão bela quando ris,
Quando calas – secreta pérola,
Quando partes – flor-de-lis,
Quando danças – tenra libélula?
Por que enches meu dia de alegria:
Colibri, quetzal, faisão, quartzo,
opala?
Por que enches minha noite de agonia:
Morfeu, Caronte, Perséfone, Ostara?
Mariposa-bruxa,
mariposa-atlas
Que carrega o mundo nas
costas,
Que faz a vida d’um homem
dar voltas,
Que abre de Pandora a
arca,
Rainha lepidóptera,
borboleta-monarca!
Tu és como a musa que encanta Apolo,
Astarte que brilha na primeira hora da
manhã,
Flora que acaricia mistérios ao branco
do colo,
Erato e Euterpe das liras pagãs!
Viviane, Morgana, Sininho, Titânia,
Sortilégio, facho de luz,
rosa-dos-ventos...
Fadinha, como dormes em paz tamanha
Dentro da tempestade dos meus
pensamentos?
II
És como nascida
de novo.
E como
ainda podes ser renascida
Das tuas
primaveras destruídas,
Dos teus
invernos solitários,
Dos
outonos da tua vida?
Como
podes ainda renascer bela
Quais
belos verões de girassóis,
Qual
porto sem naufrágios, sem atóis,
E tecer
constelações de tua janela?
Como
podes estender asas,
Fecundar
flores, dar frutos, casas
A homens
sem esperança e sem lar,
Àqueles
que nem sabem amar?
Se te
deitas com todos eles,
Tu mesma
inda sabes amar?
Cartas,
runas, pitonisas, vísceras de aves
Mo
revelaram...
É mais
difícil se libertar de muitos entraves
Se eles
docemente te abraçaram...
“Arranca teu olho, tua mão, teu coração,
Se eles, em teu desejo tolo, te fazem
pecar...”,
Já dizia
o Mestre no férreo Sermão do Monte
Ao douto
fariseu, ao pobre pastor sem nome.
Portanto
vai-te, em noites desencantadas, te embriagar
Co’as
outras fadas, as estrelas, o vento e seu carrilhão!
Eu
permaneço aqui, penitente e insone...
Por que
cavaste labirintos e petúnias em meu peito
E me
prendeste a teu destino e a teu leito,
Se o
tempo, indiferente, só escoa e avança,
Se meu
amor só pode viajar contigo à distância?
III
Tique. Taque. Tique.
O tempo é implacável.
Então ouve
No que quer que isto
implique:
Pelos meus olhos pelos
meus poros
E pelos sonhos – claros ou
ignotos,
Revives a pulsar como a
própria vida
Com teu sorriso fácil de
extasiar
Mas difícil de decifrar.
Teu olhar de amêndoas
crestadas,
Teu corpo de muitas
sendas,
Tua pele de calêndula,
Tu’alma de cestro ferido à
invernada
É de sobrevivente de
tempestades,
Como quem luta sobre as
ondas
Sem deixar de ser nereida,
dríade, náiade.
Oxum que se mira, Oiá que
assombra,
Kuan Yin que abraça,
Amaterasu sem sombra,
Vênus calipígia das
espumas do mar,
Diana régia do lupino
luar,
Freya ou valquíria a
tonitruar,
Iara dos rios igarapés a
jorrar
Que conduz o uirapuru a
cantar.
Quero nos teus braços nos
teus seios nas tuas ancas
Nos teus laços nos teus
receios nas tuas danças
Me enrodilhar pareado com
teus passos,
Acariciando estrelas nos
teus cabelos
E ainda que sobrem só
lampejos e traços
Destes doces melífluos
novelos,
Que tu nunca mais te
olvides,
Que tu nunca mais duvides
Da minha poesia a te
guardar como selo.
IV
“As mariposa quando chega o frio
Fica dando vorta em vorta da lâmpida pra si isquentá
Elas roda, roda, roda e dispois se senta
Em cima do prato da lâmpida pra descansá
Eu sou a lâmpida
E as muié é as mariposa
Que fica dando vorta em vorta de mim
Todas noite só pra me beijá”.
ADONIRAN
BARBOSA
Quando descia do
transporte gratuito
Para o baile da terceira
idade,
No mesmo velho parque de
damas, gamões e ludos,
Em que dava pipocas aos
pombos da cidade,
Era um predador que agia
sozinho,
Que ainda tomava das azuis
pílulas,
Que ainda cuidava do impecável
terno de linho,
Ensaiando o repertório de
bandas estrídulas.
Marias, Auxiliadoras,
Aparecidas, Conceições,
Lurdes, Fátimas,
Teresinhas, Encarnações,
Renatas, Moniques, Melissas,
Patrícias,
Anunciattas, Judites, Dalilas,
Padilhas,
Passavam por seus braços
nos mesmos salões
E por ele chegavam às
raias das sevícias.
Compasso binário, ritmo
sincopado,
Dois pra lá, dois pra cá, e
dá uma rodadinha,
Conduz a dama, esconde-a
do gavião frustrado,
Que ela é sua enquanto se
enredar na fiada conversinha.
Algumas chegavam mais cedo
aos encontros
– Mãos suadas, olhos
irrequietos, represados corações –
Outras nem compareciam,
nem davam satisfações
– O toureiro mais se
ofende quando o touro lhe faz de tonto –
Aqui nem se lembra de
quantas camas de pocilgas,
Dos filhos que mandou
abortar,
Das malas de despedida,
Das madrugadas a vagar.
E depois quem sabe, uma cuba libre, uma meia de seda,
E ela se dispa de casacos,
pudores e rendas,
E um mundo de descobertas
rebente as cascas do ovo,
Até que amanhã a busca
comece toda de novo...
V
O homem é só.
Foi jovem, cigano, boêmio.
Hoje é velho, desiludido,
abstêmio.
O homem caminha só
Com seu catálogo de
espécimes humanos,
Sorvendo taças já sem
sabor
Nos bares e cafés da dor.
O homem deixa cair sua
pasta de arrependimentos,
Seus óculos de ver demais,
Sua bengala de
xingamentos,
Seu chapéu de feltro,
memórias e tais,
Seu rancor dessas meninas
de hoje que se riem,
Seu rancor desses meninos
de hoje que não vivem,
E tão convicto da sua
estranheza malfadada,
Que quando pela última vez
caiu trôpego nas calçadas,
Os passantes acharam que
sonhava com as fadas!