Para Henri Nouwen e Anselm Grün
I
A
gente por dentro
É como
asfalto muito pisado
Que
alguns que ali passaram
Foram
abrindo buracos,
Crateras
cheias de ar
Que
já falta no respirar
E deixa
de encharcar a vida.
A
gente por dentro
É uma
busca inútil para cima,
Árvore
castigada em castigado clima,
Névoa
oblíqua e faminta cobrindo montes,
Abismo
pleno de ecos e vazio de pontes.
A gente
por dentro
É nau
tragada por trombas d’água,
Escrava
versada na tábua da mágoa,
Velha
que sonha em cadeira enfadonha,
Menino
que afunda em rios de nada.
II
A
peregrina dos ermos,
De
pernas e braços enfermos,
Alçando
voo além de seus termos,
Permanece
caindo sob os mesmos pesos
Das
correntes fincadas nos tornozelos.
A peregrina
dos ermos
Que
bebe lágrimas e permanece sedenta,
Cuja
garganta resseca e rebenta,
Que
ri com o ópio de cada dia,
Mendigando
aos pássaros grãos de alegria,
Caminha
feito um sofisma
Pela
corda sutil da boca do abismo.
A peregrina
dos ermos
Dá
as mãos ao espectro que ela namora.
A peregrina
dos ermos
É o
Vazio que se espraia por dentro e por fora.
III
Como
correria a seiva
Por
seus galhos retorcidos?
Como
correria o sangue
Por
seus alvéolos exauridos?
Ó
inverno de extremos,
Ó peregrina
dos ermos?
Dignai-vos
a subir a escada,
Erguei
os olhos à escalada
E ao
mesmo tempo, atirai-vos à enseada,
Nas
mãos invisíveis da história recontada.
A muda
de pele da serpente.
O estilhaçamento
do aquário.
O espelho
da alma vivente.
A luz
que descobre o sudário.
A escada
dos doze degraus.
A descida
ao inferno.
As
asas refeitas do animal.
Os
anjos em degredo.
Estais
pronta para o segredo,
As
entrelinhas do pergaminho,
O rio
sem fim que corre vizinho?
Os
prados são plenos e imarcessíveis.
O primeiro
passo e a primeira queda são irreversíveis.
Ó inverno
de extremos,
Ó peregrina
dos ermos!
IV
Que
esses movimentos de maré de enfado,
Que
essa reabilitação de cão aninhado
Vos
presenteiem novos olhos, nova sarça,
Que
novos céus, novas terras vos faça,
Conduzindo
a outra linha não interrompida,
Não
injustificada, não sem saída,
Não
moldada pelo desespero do beco
Nem
pela retórica de um amor seco.
Sabendo-se
lama, galho, pedra,
Sabendo
que todos em todas as eras
Também
o foram em retórica de terra,
Personas
do palco da saga que erra.
Peregrinos
aqui sem descanso e sem termo,
Peregrina
dos ermos,
Que
só descansaram – filho mais velho ou filho pródigo –
Nos
braços do pai de todos os propósitos.
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