Virgulino:
Menino,
O
tiro que matou teus pais
veio
da Lei...
veio
da Lei...
Menino,
O
silêncio no coser das mulheres
veio
da Morte...
veio
da Morte...
Na
estrada
o
corpo da menina
que
os homens usaram à força.
Na
estrada
o
pai de sete filhos
que
coronel mandou à forca.
No
labirinto de papeis e interesses,
embrenha-se
o culpado:
Confiai na justiça dos homens!
Justiça
Divina há,
mas
tarda e não faz sentido aos homens:
Confiai na justiça de Deus!
Dizem
que em combate de noite
Para
ajudar seu amigo a achar o cigarro no chão,
Seu
rifle não deixou de ter clarão
Por
isso lhe chamaram Lampião.
Herói
de cordel, assassino, ladrão,
Um
novo Cabeleira, Lucas da Feira ou Antonio Silvino,
Antonio
Conselheiro às avessas, vaqueiro beduíno,
Robin
Hood do sertão,
Ave
carniceira de arribação.
Não
ficou claro na História
Se
querias comer o doce prato da vingança
Com
facas de destrinchar postos e potestades,
Hamlet
do sertão!
Ou
se achavas que compensava perder,
Que
algumas pessoas não merecem viver,
Ó
Raskolnikov do sertão!
Perfuravas
trilhas na caatinga
Mais
como um fantasma ou como um personagem
Do
que propriamente como homem-bicho
Que
tanto existia naquela região.
E
trazias uma estrela de sangue na fronte
E
um coração de artrópode no peito
E
um alforje de lágrimas secas no cinto
E
galopavas um cadáver de alazão do Dia do Julgamento!
Maria Bonita:
Ôxi,
quero mais essa vida não!
Vida
besta, vida de forno, vida de tanque,
Mansidão!
Quero
mais não Zé de Neném,
Que
ralha, que grita, que bate
E
que filho não pode fazer.
Não
quero homem que maltrate
E
que nada de importante tenha que dizer.
Quero
voar, quero cavalgar, quero lutar,
Amar
encarniçadamente,
Morrer
sanguinolentamente,
Viver
atemorizadamente,
Famigeradamente.
Vim
da Bahia, de Paulo Afonso,
Aos
quinze anos me entregaram
Pro
sapateiro, homem brabo e também sonso,
Qu’isso
é coisa que me arrumaram.
Maria
Gomes de Oliveira
–
Agora Maria Bonita –
Me
cai melhor como uma luva
De
mulé dama e também sofrida
Que
cresceu no mato arando sem chuva.
Eu
fugi e encontrei o cabra
Que
antes de lenda era homem.
Eu
fiz me aceitarem no grupo.
Eu
fiz me deixarem atirar.
Eu
fiz me darem o gosto de matar.
No
meio daquela guerra
Eu
gerei dois filhos,
Que
meu ventre não era seco
–
só secara o meu coração –
Apertado
em cada beco.
Expedita
e o menino que seu nome se perdeu
E
ninguém sabe direito pr’onde foi.
Eu
deixei c’um coiteiro o moleque
– Um
homem honrado que criava boi –
Mas
bem no dia que eu fui visitar a Expedita
–
sim, foi no dia da visita –
Que
as volantes chegaram com seus açougueiros
E
nem de respeitarem a dor d´uma mãe,
Mas
se nem respeitaram a Maria Santíssima,
Que
dirá de mulher de cangaço, duríssima?
E
foi esse o meu fim
Foi
assim.
O Menino:
“Pai,
Deixa-me
ir
Que
há aqui?
Pai,
Eu
quero combater
Os
poderosos tiranos
Que
mandam no mundo:
Aníbal.
Pai,
Eu
quero me ajuntar
Aos
cavaleiros da triste figura
Das
funduras do grotão
Que
botam medo a todo mundo:
Percival.
Pai,
Eu
quero ser bandido.
Eu
quero expressar a minha dor
Maltratando
a minha própria gente
Desafortunando
o indigente:
Canibal.
Pai,
Deixa
eu ir encontrar o meu destino
Que
a vida aqui é um dar voltas em alqueires
Pra
encontrar a morte no mesmo lugar de sempre”.
O Pai:
“Fica
quieto, moleque,
Que
aquilo é uma guerra.
A
tua mãe te deixou aqui
Porque
lá se morre de graça
E
não se ganha terra
E
não te fica nem a carcaça.
Um
dia tu vai saber
Quem
foram teus pais
E
aí tu cantará
Num
misto de vergonha e de orgulho
Como
vive de carcaça o carcará”.
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