sexta-feira, 19 de julho de 2013

Mais Trechos da "Epopeia Árida"

Virgulino:

Menino,
O tiro que matou teus pais
veio da Lei...
veio da Lei...
Menino,
O silêncio no coser das mulheres
veio da Morte...
veio da Morte...

Na estrada
o corpo da menina
que os homens usaram à força.
Na estrada
o pai de sete filhos
que coronel mandou à forca.
No labirinto de papeis e interesses,
embrenha-se o culpado:
Confiai na justiça dos homens!
Justiça Divina há,
mas tarda e não faz sentido aos homens:
Confiai na justiça de Deus!

Dizem que em combate de noite
Para ajudar seu amigo a achar o cigarro no chão,
Seu rifle não deixou de ter clarão
Por isso lhe chamaram Lampião.

Herói de cordel, assassino, ladrão,
Um novo Cabeleira, Lucas da Feira ou Antonio Silvino,
Antonio Conselheiro às avessas, vaqueiro beduíno,
Robin Hood do sertão,
Ave carniceira de arribação.

Não ficou claro na História
Se querias comer o doce prato da vingança
Com facas de destrinchar postos e potestades,
Hamlet do sertão!
Ou se achavas que compensava perder,
Que algumas pessoas não merecem viver,
Ó Raskolnikov do sertão!

Perfuravas trilhas na caatinga
Mais como um fantasma ou como um personagem
Do que propriamente como homem-bicho
Que tanto existia naquela região.

E trazias uma estrela de sangue na fronte
E um coração de artrópode no peito
E um alforje de lágrimas secas no cinto
E galopavas um cadáver de alazão do Dia do Julgamento!


Maria Bonita:

Ôxi, quero mais essa vida não!
Vida besta, vida de forno, vida de tanque,
Mansidão!
Quero mais não Zé de Neném,
Que ralha, que grita, que bate
E que filho não pode fazer.
Não quero homem que maltrate
E que nada de importante tenha que dizer.

Quero voar, quero cavalgar, quero lutar,
Amar encarniçadamente,
Morrer sanguinolentamente,
Viver atemorizadamente,
Famigeradamente.

Vim da Bahia, de Paulo Afonso,
Aos quinze anos me entregaram
Pro sapateiro, homem brabo e também sonso,
Qu’isso é coisa que me arrumaram.

Maria Gomes de Oliveira
– Agora Maria Bonita –
Me cai melhor como uma luva
De mulé dama e também sofrida
Que cresceu no mato arando sem chuva.

Eu fugi e encontrei o cabra
Que antes de lenda era homem.
Eu fiz me aceitarem no grupo.
Eu fiz me deixarem atirar.
Eu fiz me darem o gosto de matar.

No meio daquela guerra
Eu gerei dois filhos,
Que meu ventre não era seco
– só secara o meu coração –
Apertado em cada beco.
Expedita e o menino que seu nome se perdeu
E ninguém sabe direito pr’onde foi.
Eu deixei c’um coiteiro o moleque
– Um homem honrado que criava boi –
Mas bem no dia que eu fui visitar a Expedita
– sim, foi no dia da visita –
Que as volantes chegaram com seus açougueiros
E nem de respeitarem a dor d´uma mãe,
Mas se nem respeitaram a Maria Santíssima,
Que dirá de mulher de cangaço, duríssima?

E foi esse o meu fim
Foi assim.




O Menino:

“Pai,
Deixa-me ir
Que há aqui?

Pai,
Eu quero combater
Os poderosos tiranos
Que mandam no mundo:
Aníbal.

Pai,
Eu quero me ajuntar
Aos cavaleiros da triste figura
Das funduras do grotão
Que botam medo a todo mundo:
Percival.

Pai,
Eu quero ser bandido.
Eu quero expressar a minha dor
Maltratando a minha própria gente
Desafortunando o indigente:
Canibal.

Pai,
Deixa eu ir encontrar o meu destino
Que a vida aqui é um dar voltas em alqueires
Pra encontrar a morte no mesmo lugar de sempre”.

  
O Pai:

“Fica quieto, moleque,
Que aquilo é uma guerra.
A tua mãe te deixou aqui
Porque lá se morre de graça
E não se ganha terra
E não te fica nem a carcaça.

Um dia tu vai saber
Quem foram teus pais
E aí tu cantará
Num misto de vergonha e de orgulho
Como vive de carcaça o carcará”.

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