sábado, 20 de julho de 2013

O ÚLTIMO MAMUTE

O último mamute
caminha com a certeza
de que é o último de sua estirpe
em meio à correnteza.
Vai pesado e pesaroso
com as patas aveludadas
pisando solo pedregoso
devastando as madrugadas.
Quando dorme entre as geleiras
– mais antigas do que ele em suas brancas veias –
o seu sonho surreal
- muito antes de Dali -    
vê ali rudes fileiras
de sua família ancestral.
Vê o último e tímido
dos pequenos dinossauros,
vê cavernas, icebergs,
desenhos de minotauros.
Na sua fantasia
a intocável Medusa
é bailarina obtusa
que dança flamenco nua
como num filme de Carlos Saura.
O arcanjo Gabriel e a Morte
dançam enlaçados um tango argentino
enquanto sussurram a sua sorte
e Cronos lhe afaga a tromba gélida,
empurrando-lhe a face para mais ao norte.

O último mamute acorda e pensa
de quem herdara essa deserção da vida
e percebe que a sua existência
foi uma agenda não cumprida:
Domingo ir ao último penhasco da Eurásia
ver o nascer do sol que se abre.
Segunda ir dizer umas poucas e boas
para o tigre-dente-de-sabre.
Terça quarta quinta sexta
buscar por raros novos pastos.
Sábado finalmente ver a aurora boreal
e dezenas de novos tipos de pássaros...
Não, nada,
sempre essa expectativa naufragada:
acabara o que não foi.

O último mamute
caminha e hesita
debaixo dos pelos
que a neve atrita
e sente o peso
das eras infinitas.

Entre os brancos de marfim
com uma língua ressecada
ele liberta o derradeiro urro
de toda uma manada.

Quando lhe encontraram a carcaça

                                      Osso-pedra

                                                        Couro putrefato

                                                                                    Inútil caça,


Não lhe imaginaram os milhões de passos dados

Nem fizeram caso dos olhos vidrados.



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