sábado, 20 de julho de 2013

O INVENTÁRIO


Para Manoel de Barros

De menino
eu tinha um lugar pra tomar sol
por isso o chamei solário
mistura de concreto e campo de futebol
embora não durasse sempre o sol.
mas como só de noite o sol virava luar
eu também não podia chamar de luário
por isso chamei de arário
porque estava sempre cheio de ar.
era um quintal solitário
mas grande pra fazer de mar
por isso chamei de Inventário
porque eu remava vassouras no inventar.
inventário não é coisa de morto
nem uma lista de coisas achadas.
inventário se faz de risadas perdidas
e de invencionices não numeradas
lá por exemplo eu fiquei devagar
com caramujices e lesmices
e comecei a caminhar
solto no ar com passarinhices.
lá eu inventei a minha própria letra
que não era coisa de abecedário:
abecedário é chiqueiro onde te esfregam a cabeça
na cartilha chata da tabuada e do planetário.
eu vivia mesmo era no inventário
e olha que nessa época
eu sequer distinguia um ornitorrinco datiloscopista
de um otorrinolaringologista.
lá se grafava árvore com os braços abertos
e água com o corpo fluindo pelo chão.
não havia longes, não havia pertos,
só havia estrelas dormindo na concha das mãos.
então eu brincava tecendo buracos
na parede mole do tempo no fundo do armário
foi aí que eu caí aqui
adulto que perdeu pra sempre o seu inventário.


Um comentário: