Para
Manoel de Barros
De
menino
eu
tinha um lugar pra tomar sol
por
isso o chamei solário
mistura
de concreto e campo de futebol
embora
não durasse sempre o sol.
mas
como só de noite o sol virava luar
eu
também não podia chamar de luário
por
isso chamei de arário
porque
estava sempre cheio de ar.
era
um quintal solitário
mas
grande pra fazer de mar
por
isso chamei de Inventário
porque
eu remava vassouras no inventar.
inventário
não é coisa de morto
nem
uma lista de coisas achadas.
inventário
se faz de risadas perdidas
e de
invencionices não numeradas
lá
por exemplo eu fiquei devagar
com
caramujices e lesmices
e comecei
a caminhar
solto
no ar com passarinhices.
lá
eu inventei a minha própria letra
que
não era coisa de abecedário:
abecedário
é chiqueiro onde te esfregam a cabeça
na
cartilha chata da tabuada e do planetário.
eu
vivia mesmo era no inventário
e olha
que nessa época
eu
sequer distinguia um ornitorrinco datiloscopista
de
um otorrinolaringologista.
lá
se grafava árvore com os braços abertos
e água
com o corpo fluindo pelo chão.
não
havia longes, não havia pertos,
só
havia estrelas dormindo na concha das mãos.
então
eu brincava tecendo buracos
na
parede mole do tempo no fundo do armário
foi
aí que eu caí aqui
adulto
que perdeu pra sempre o seu inventário.
Belíssimo e nostálgico...
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