terça-feira, 17 de outubro de 2017

ANOS 90

"Perdoem a cara amarrada
Perdoem a falta de abraço
Perdoem a falta de espaço
Os dias eram assim

Perdoem por tantos perigos
Perdoem a falta de abrigo
Perdoem a falta de amigos
Os dias eram assim".

IVAN LINS – “Aos Nossos Filhos”



Adolescência-obsolescência
Quando a vida era uma eterna espera
E as descobertas uma eterna decepção.
Quando se era velho num corpo jovem.
Quando se era morto em pleno pulsar da vida.
Quando a máxima aventura era servir de estafeta.
Quando o máximo do protagonismo era ser gandula.
Quando a vida era uma grande punheta.
Quando a natureza atormenta e a poesia adula.

Uma infância feliz e depois o resto.
Perder o Éden, perder o Olimpo.
Não é assim na vida? Há um teto
Em que se bate a cabeça por não ser mais limpo.

Havia um niilismo irritante.
Um silêncio suspenso como se algo pior
Pudesse saltar a qualquer instante
De dentro do monstro que havia em nós.

Não se era mais inocente nem inimputável.
A mesada mirrada socada na lata do armário
Pra se gastar nos sebos, lojas de vinil, na zona.
E de repente nada mais era tão agradável
Que pudesse dar conta da falta de salário,
Do cativeiro babilônico, da solitária intentona.

Quando explodiam as marés de testosterona de dipirona de melatonina
De cortisol de fel de falta de sol de cafeína
Não havia nenhuma endorfina nenhuma serotonina
Nenhuma esperança nenhuma carícia de menina
Só havia amor manchado de ódio
E toda paisagem manchada de cinza.

Você ouviu falar dessa nova onda de Seattle,
Dessa nova onda de Londres?
Desses meninos apáticos de coração de aço,
Desse novo mundo cheio de pontes?

Esse mundo é Babilônia, é Gomorra, é fescenino...
É um enredo de David Lynch, de Almodóvar, de Tarantino.
World wide web, clones ruminantes, blocos econômicos.
Samples, hits descartáveis, sonhos anacrônicos... 

Eu preferia ouvir R.E.M., Smashing Pumpkins, Soul Asylum,
Guns N’ Roses, Van Halen, Rimbaud, Lord Byron!
Cheirando limpador de disco - meu ópio -, olhando no velho caleidoscópio,
Para um crônico agorafóbico, tecnofóbico, biofóbico,
Dava fuga, dava escapismo, dava barato.
E agora ainda pegava MTV no meu quarto!
E as mulheres nuas nas paredes com sorrisos inatingíveis
Eram como as ninfas da escola pra quem eu era de fato
Um fantasma de apelos e de preces invisíveis.

Havia os pulsos cortados e as sessões de terapia
E os remédios e seus efeitos colaterais.
Mas o pior efeito colateral era o da vida insípida
E dentro do meu peito o arranhar dos animais!

Há aqueles para quem a prima juventude
É um relicário intenso de belas recordações
É um bale feito de tafetá e de tule
É um rito de passagem de melros a falcões.

Mas há aqueles que parecem perdidos lá
Em algum lugar de um vidro quebrado
Em alguma célula de um talho não cicatrizado
Num ser mutilado que não chegou a cá.

Príncipe dos rochedos, cavaleiro de antanho,
Andarilho sedento de cisternas rotas,
Aviador de roteiro tacanho
Que gira como pombo em torno de favas ocas,
Eu quero pela última vez olhar-te nos olhos,
E como irmão mais velho decretar teu fim.
Hoje haverá um fratricídio-infanticídio sem ódios.
Hoje haverá um homicídio dentro de mim.





2 comentários:

  1. Que orgulho tenho do meu professor...
    Saber usar as palavras é um dom que Deus dá a um grupo seleto e você era o primeiro da fila!

    ResponderExcluir