“Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada”.
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada”.
T.S. Eliot – “Os Homens Ocos”
Hoje
eu fui ao shopping pagar indenização
a mim mesmo.
Fui
arrastado por esteiras rolantes,
Desejos
de prazeres efêmeros,
Filmes
de aventuras tonitruantes,
Bandejas
de exageros,
Sacolas
balouçantes
E
estacionamentos careiros.
Vitrines
não são espelhos,
E
os aromas são propositais.
Os
pisos, amuradas e banheiros
Ocultam
tormentosas impressões digitais.
Ontem
eu também saí pra passear.
Levei
minha boneca inflável,
Meu
cachorro de pelúcia,
Minhas
plantas de plástico retornável
E minhas
pantufas de camurça.
Pegamos
a estrada infindável e reta
Que
leva sempre a desertos maiores
E a
infernos novos.
Uma
escada para o céu era a meta.
Campos
de morango para sempre, senhores,
Cidade
paraíso para todos os povos.
Estrela
da autoestrada, prossegui.
No
acostamento, as ex-amantes eu antevi:
Lady Jane, Ruby Tuesday,
Pretty Woman,
Sweet Child of Mine, Lucy in
the sky with diamonds,
Lovely Rita, Michelle,
American Woman,
I dream of Jeannie, Alice in
Wonderlands.
E
de repente tudo explodia num domingo sangrento domingo,
Num
atentado terrorista na Casa do Sol Nascente.
Foi
assim que pelo labirinto eu fui seguindo
Sempre
numa ladeira decrescente.
Depois
eu parei para novas compras.
Escolhi
meus deuses no supermercado
E
meus amores verdadeiros no atacado,
E encomendei
num site metáforas prontas.
Mas
o ser humano,
Boneco
de pano,
Galo
de briga,
Bispo
de intriga,
Peão
sem tutano,
Cavalo
de guerra,
Rei
sem terra,
Mulher
de malandro,
Alma
de escafandro,
Não
sabe o que quer.
Sabe,
acho que ainda sou homem do século XX,
Apesar
de ter nascido em seus estertores.
Minha
vida tem trilha sonora
Do
Henry Mancini, do Ennio Morricone, do John Williams,
Do
Cole Porter, de Lennon e McCartney, de Jagger e Richards.
Minha
vida tem os traumas das guerras quentes e guerras frias,
Tem
uma estranheza de Kafka,
Uma
tortuosidade de Picasso,
Uns
devaneios de Dali e Buñuel,
Tem
uns suspenses alegóricos de Hitchcock,
E
a inocência forçada de Walt Disney,
E
o humor ultrapassado de Chaplin, Cantinflas, Bolaños,
E
uns valores que tentam ser absolutos,
Como
nos épicos do Charlton Heston.
Eu
ainda sonho com efeitos especiais precários,
E
ainda preciso das matinês do Roberto Marinho
Ou
das páginas impressas do Julio de Mesquita,
Do
Victor Civita, dos irmãos Bloch.
Mas
sabe,
Eu
ensino História
Mas
não pude aprender com meus erros.
Eu
ensino Filosofia
Mas
não pude encontrar para mim o sentido da vida.
Eu
ensino Teologia
Mas
às vezes me falta fé.
Eu
ensino Marketing
Mas
não sou capaz de vender nem a mim mesmo.
Eu
ensino Logística
Mas
na minha vida chega tudo fora de hora.
Eu
ainda não me adaptei aos gigabytes do Sr. Gates, do Sr. Jobs,
Do
Sr. Zuckerberg.
No
meu tempo ser nerd era um martírio
heroico
E
não uma ostentação bilionária.
Eu
ainda não consegui viver essa vida líquida
Do
Professor Bauman.
Sou
dado a apegos antibudistas
E
a paixões anticristãs
Que
me mantêm preso ao samsara dos
pecados dos homens comuns,
Comuns
demais, meu Deus!
Meu
avô levava seu relógio no bolso.
Meu
pai precisava do relógio na parede
Ou
num timer de um toca-discos de última
geração.
(os
discos tinham lado A e lado B, meu Deus).
Eu
ainda não me acostumei a levar as horas nesta tela negra
Que
guarda todo meu networking, meus greatest hits,
Meus
porta-retratos e a linha telefônica.
Tanta
gente pra se falar e ninguém pra dizer nada,
Meu
Deus!
Como
nasceu esse mundo sem eu perceber?
Estava
nos vapores de Watt, nos motores de Benz,
Na
linha de produção de Ford, no homem-boi de Taylor,
Na
linha de produção enxuta da Toyota,
Na
minha imensa cara de idiota,
No
sanduíche do Ray Kroc, nos itens à venda de Jeff Bezos,
Nos
monumentos opulentos de Niemeyer,
No
gás pra matar judeus da Bayer,
Na
sagração da primavera de Stravinsky,
Nos
quadrados multicores de Kandinsky,
No
coração empedernido da burocracia,
No
coração promíscuo da democracia,
Nos
arcanos guardados a porrada da ditadura,
Nas
pílulas, nos transistores, nos transgênicos da agricultura,
Nos
microchips, nos capacitores, nos transgêneros da nova cultura,
No
coitadismo ressentido dos socialistas,
No
mundo de aparência dos capitalistas,
Na
bata dos hippies,
No
paletó dos yuppies,
Nos
óculos dos indies,
Na
flanela dos grunges,
Na
jaqueta dos punks,
Na
seringa dos junkies,
Nos
cabelos dos headbangers,
Na
geração perdida dos swingers e dos bebopers,
No
êxtase dos clubbers,
Nas
postagens dos haters,
Nos
bares de bamba,
Nas
rodas de chorões,
No
jazz com samba
Da
bossa do Leblon?
Nos
artigos, parágrafos e incisos
Da
Constituição?
Nos
meandros, sacanagens e amigos
Da
corrupção?
Na
legal, impessoal, moral, pública e eficiente
Administração
Pública,
Na
ilegal, social, imoral, escandalosa e deficiente
Geração
lúdica?
Mas,
sabe, origens não curam sintomas,
Nem
meus remédios de wi-fi,
Nem
anfetamina com hi-fi,
Nem
meus espirituais linfomas,
Nem
meus nirvanas de neon,
Nem
meus lamentos a bandoneón.
Eu
me uno ao ultrapassado Bandeira
Pra
dançar um tango de Gardel
Na
porta de um suburbano bordel,
À beira
do mangue, do mocambo e da mangueira,
Ao
lado de afluentes poluídos
Do
que restou de sonhos destruídos.
E então
quem sabe, superados os apocalipses,
As
pestes negras, as hecatombes atômicas,
Os
satis, os réquiens, as Shoás, os kadishes,
Não
possamos todos nos dar as mãos
No
pulo ao abismo dos epicureus descontentes,
Com
uma felicidade pastosa de gordo
E um
humor exemplar de corvo,
Irmanados
aos cínicos, aos loucos e aos doentes?
Gostei das citações musicais! Na minha trilha eu acrescentaria Tonico e Tinoco.
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