quinta-feira, 26 de março de 2015

MARTINHO LUTERO

Ia o jovem para casa,
Os tomos de Direito nos braços,
O coração apertado,
A anfechtung[1] na alma.


A tempestade desabou sobre o jovem,
O raio tombou a árvore:
“Sant’Ana! Virgem Santíssima!
Mantenham-me vivo que serei padre!”


Não podendo descumprir a promessa,
Ia o jovem ao convento agostiniano;
As maldições de seu pai em seu rastro,
A dúvida enorme dentro de si.


Ia o jovem das preces ao claustro,
Do claustro às preces;
O crucifixo no pescoço,
A anfechtung na alma.


Passando os dias, já Doutor em Teologia,
Preparando-se para pregar,
Divisou o que nunca antes vira,
Abriu-se-lhe novo limiar:


“O justo viverá pela fé”.
“A salvação vem pela fé”
“Dom gratuito de Deus é a fé”
“Não se agrada a Deus sem fé”.


Assim a anfechtung finalmente terminou
Mas a caçada começou.
Doutor Martinho foi visto com pavor:
“Um javali nas vinhas do Senhor”.


Enojava-se com a lembrança da viagem a Roma,
Enojava-se com Tetzel vendendo indulgências.
Salvar-se-ia um corpo podre até as plantas dos pés,
Podre em seus membros, podre em suas exigências?


Então como um rugido que abalou o mundo,
Fixou na Catedral de Wittenberg as suas teses
E começaram a ruir neste segundo
Séculos de entulho de tradição e seus reveses.


Aos poucos, expunha o monge iluminado
Toneladas de erro e miopia:
Que Pedro não foi o primeiro Papa;
Que não era co-Redentora Maria;
Que nunca houve Limbo ou Purgatório;
Que transubstanciação era mito ilusório;
Que não se devem aceitar ensinos e iluminuras
Fora do texto inspirado das Escrituras;
Que não se deve buscar intercessor
Que não seja Jesus, Nosso Senhor;
Que o crente não deve exercer seu ministério
Trancafiado na proteção de um monastério!


Querendo calá-lo, o Papa o excomunga.
Querendo protegê-lo, seus amigos o guardam num castelo.
Mas o ex-monge, em sua esperança profunda
E em seu espiritual anelo,
Canta como um anjo no pináculo
Enquanto traduz a Bíblia para o vernáculo:
“Castelo forte é nosso Deus, espada e bom escudo!
Com seu poder defende os seus em todo transe agudo”.


E assim é que peleja no Debate de Leipzig,
E assim é que peleja na Dieta de Worms,
E assim é que se casa com uma ex-freira:
Catarina von Bora, a fiel companheira.


Desafiando o Papa,
Abrandando camponeses,
Intervindo entre príncipes,
Ensinando e pregando tantas vezes...


Uns lhe chamaram monge louco e beberrão,
Outros lhe cognominaram um Elias da restauração,
Na Alemanha é tido como herói nacional
E para alguns um proto-nazista radical.


Não conheço seus pecados ocultos
– Apenas se sabia pecador como nós –
Mas repito com louvor resoluto
O que ele dizia com enérgica voz:


“Solus Christus[2],
“Sola scriptura[3],
“Sola gratia[4], sola fide[5],
Nada de teologia obscura!


Ele morreu depois de uma longa viagem
Para levar a uma contenda a concórdia
E expirou em rendição total a Deus,
E assim termina a nossa história!


Soli Deo gloria[6]



[1] Termo alemão geralmente traduzido como “tentação”, mas que também significa pavor, desespero, sensação de perdição, agressão e ansiedade.
[2] Em latim: “Só Cristo”.
[3] Em latim: “Só as Escrituras”.
[4] Em latim: “Só a graça”.
[5] Em latim: “Só a fé”.
[6] Em latim: “Glória somente a Deus”.



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