quinta-feira, 26 de março de 2015

JOÃO CALVINO

Teu pai já conhecia
Os meandros da hierarquia
De uma Igreja em decadência
Na Paris da Renascença.


Um teu irmão foi padre,
Teu sustento era eclesiástico,
Tua educação era escolástica,
Tua paixão era a estoica prática.


Debruçavas-te sobre textos de Cícero
Tentando colher num humanista ímpeto
As soluções para esta vida malsã,
No esteio de Erasmo de Roterdã.


Já amavas o esplendor da Teologia
Mas teu pai te queria na advocacia.
O Direito lhe parecia mais rentável
Neste mundo de litígio e mercancia.


Quanto tempo até poderes te libertar!
E te debruçar na Teodiceia das Escrituras!
Ninguém sabe quando descobriste o despertar
Da Reforma se espraiando até as alturas.


Tua vida mudou tanto...
Teus passos não paravam:
Estrasburgo, Ferrara, Genebra.
As perseguições te encurralavam...


Só querias tranquilamente meditar
Sobre os Salmos de louvor,
O Eclesiastes melancólico,
Isaías e seu clamor.


Em teus dias as leis se apagavam
Pra dar lugar ao Apocalipse, seus anjos e bestas,
Pra seguir o Povo Eleito no deserto, seu maná e suas festas,
Enquanto teus princípios rígidos se edificavam.


Desde a fundação do mundo,
Assim Deus escolheu o homem de fé.
Do contrário, como poderia o pecador
Por si mesmo absolver a consciência ré?


Oh, mistério dos mistérios!
Tão profundo e sereno quanto o lago genebrino,
Tão belo, simples e complexo, qual tulipas de inverno:
Deus, Senhor de tudo, não era dono do Destino?


Querias nestas cousas pensar
Mas te amaldiçoou Farel:
“Que na tua contemplação nunca tenhas paz!
Há tanta ovelha sem pastor buscando o céu!”


Em Genebra ficaste, governaste, pregaste.
Rebelaram-se contra ti, insultaram, cuspiram.
Contra hereges e rebeldes lutaste
E a todo tempo te denegriam.


Tua bela Idelette, teus filhos,
A peste levou.
Teu arqui-inimigo Miguel de Serveto
(Que atacava a Trindade, que o inferno negou)
O Conselho da Cidade queimou.


Tu ordenaste? Tu consentiste?
É esta tua mancha a carregar pelos séculos?
Todo Davi tem um profeta Natã que insiste
Em apontar-lhe a Bate-Seba de dias ébrios?


Foi daí que começaste a declinar?
Acrescentando às Institutas
Os comentários a cada livro bíblico,
Mas jamais encontrando às tuas mágoas fieis substitutas?


Teu corpo e tua voz rangiam
De gota, de tumores, de sangramentos.
Ao púlpito carregado te conduziam
E em teu quarto não cabiam mais lamentos.


Teus discípulos da Academia te orgulhariam?
John Knox, o escocês, lá implantaria a Igreja?
Tua forma de governo e disciplina, que da Bíblia fluíam,
Aplicar-se-iam com ordem, com amor cristão e com nobreza?


Saberias tu que Max Weber
Te acusaria de inventor do capitalismo?
Que a Igreja de Roma, temerosa e rancorosa,
Te acusaria de usura, lassidão e despotismo?


Foi assim que morreste:
Debaixo de trovoadas de todos os lados,
Enterrado em sepultura não marcada,
Pra evitar a idolatria e os descalabros.


Tua herança sobreviveu forte:
Puritanos, presbiterianos, congregacionais.
Teus soldados inda lutam contra a ignorância e a morte,
Poucos luminares em trevas abissais.


E por mais que te acusem liberais, arminianos,
Tua obra não pode ruir pela humana maldade,
Pois foi calcada nos desígnios e arcanos

Do seio profundo da Eternidade! 



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