Teu
pai já conhecia
Os
meandros da hierarquia
De
uma Igreja em decadência
Na
Paris da Renascença.
Um
teu irmão foi padre,
Teu
sustento era eclesiástico,
Tua
educação era escolástica,
Tua
paixão era a estoica prática.
Debruçavas-te
sobre textos de Cícero
Tentando
colher num humanista ímpeto
As
soluções para esta vida malsã,
No
esteio de Erasmo de Roterdã.
Já
amavas o esplendor da Teologia
Mas
teu pai te queria na advocacia.
O
Direito lhe parecia mais rentável
Neste
mundo de litígio e mercancia.
Quanto
tempo até poderes te libertar!
E
te debruçar na Teodiceia das Escrituras!
Ninguém
sabe quando descobriste o despertar
Da
Reforma se espraiando até as alturas.
Tua
vida mudou tanto...
Teus
passos não paravam:
Estrasburgo,
Ferrara, Genebra.
As
perseguições te encurralavam...
Só
querias tranquilamente meditar
Sobre
os Salmos de louvor,
O
Eclesiastes melancólico,
Isaías
e seu clamor.
Em
teus dias as leis se apagavam
Pra
dar lugar ao Apocalipse, seus anjos e bestas,
Pra
seguir o Povo Eleito no deserto, seu maná e suas festas,
Enquanto
teus princípios rígidos se edificavam.
Desde
a fundação do mundo,
Assim
Deus escolheu o homem de fé.
Do
contrário, como poderia o pecador
Por
si mesmo absolver a consciência ré?
Oh,
mistério dos mistérios!
Tão
profundo e sereno quanto o lago genebrino,
Tão
belo, simples e complexo, qual tulipas de inverno:
Deus,
Senhor de tudo, não era dono do Destino?
Querias
nestas cousas pensar
Mas
te amaldiçoou Farel:
“Que na tua contemplação nunca tenhas
paz!
Há tanta ovelha sem pastor buscando o
céu!”
Em
Genebra ficaste, governaste, pregaste.
Rebelaram-se
contra ti, insultaram, cuspiram.
Contra
hereges e rebeldes lutaste
E
a todo tempo te denegriam.
Tua
bela Idelette, teus filhos,
A
peste levou.
Teu
arqui-inimigo Miguel de Serveto
(Que
atacava a Trindade, que o inferno negou)
O
Conselho da Cidade queimou.
Tu
ordenaste? Tu consentiste?
É
esta tua mancha a carregar pelos séculos?
Todo
Davi tem um profeta Natã que insiste
Em
apontar-lhe a Bate-Seba de dias ébrios?
Foi
daí que começaste a declinar?
Acrescentando
às Institutas
Os
comentários a cada livro bíblico,
Mas
jamais encontrando às tuas mágoas fieis substitutas?
Teu
corpo e tua voz rangiam
De
gota, de tumores, de sangramentos.
Ao
púlpito carregado te conduziam
E
em teu quarto não cabiam mais lamentos.
Teus
discípulos da Academia te orgulhariam?
John
Knox, o escocês, lá implantaria a Igreja?
Tua
forma de governo e disciplina, que da Bíblia fluíam,
Aplicar-se-iam
com ordem, com amor cristão e com nobreza?
Saberias
tu que Max Weber
Te
acusaria de inventor do capitalismo?
Que
a Igreja de Roma, temerosa e rancorosa,
Te
acusaria de usura, lassidão e despotismo?
Foi
assim que morreste:
Debaixo
de trovoadas de todos os lados,
Enterrado
em sepultura não marcada,
Pra
evitar a idolatria e os descalabros.
Tua
herança sobreviveu forte:
Puritanos,
presbiterianos, congregacionais.
Teus
soldados inda lutam contra a ignorância e a morte,
Poucos
luminares em trevas abissais.
E
por mais que te acusem liberais, arminianos,
Tua
obra não pode ruir pela humana maldade,
Pois
foi calcada nos desígnios e arcanos
Do
seio profundo da Eternidade!
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