“Coros, que o trono me cercais! vós, anjos,
Cuja missão se
malogrou no Mundo!
Não vos magoeis nem
perturbeis co’os casos
Que, ocorridos na
Terra, não podiam
Obstados ser por
quanto zelo houvesse.
Profetizei-os em
detalhe exato
Quando esse tentador,
a vez primeira,
Vindo do Inferno,
atravessou o Caos:
Disse-vos que ele em
seu atroz projeto
Prosperaria,
alcançaria a palma;
Que, lisonjeado e
acreditando enganos,
O homem contra seu
Deus seria iluso:
Sucedeu tudo assim.
Por meu decreto
Não se fez necessária
a queda sua,
Nem seu livre querer
foi compelido
De modo algum: senhor
de arbítrio próprio,
Pôde muito a seu
gosto encaminhar-se.
Pecou: agora que
fazer me cumpre
Senão impor-lhe à
transgressão a pena
Que é destinada por
sentença, a morte
Para o dia da culpa?
Ele imagina
Fantasma vão a morte
que não sente,
Como temia, por um
pronto estrago:
Minha paciência, do
perdão diversa,
Findará breve, finda
antes da noite:
Minha bondade
desprezada sofre,
Minha justiça
desprezada pune.
Mas a quem mandarei
para julgá-los?...
A quem, senão a ti,
Filho dileto,
Que reinas junto a
mim? Juiz te declaro
No Céu, na Terra, no
Orco. Está bem visto
Que eu, do homem te
incumbindo o julgamento
(Tu mediador, amigo,
amparo do homem,
Que seu resgate e
Redentor ser queres,
Que a ser Homem como
ele te destinas),
Quero, em obséquio a
ti, por ter dó dele,
À justiça juntar
misericórdia”.
Paraíso Perdido – Livro X
Eras puritano
e mestre das artes,
Fora
secretário de assuntos externos de Cromwell,
Consentira
com a decapitação do Rei,
E produzias
escritos salutares.
Em pleno
século XVII defendias o divórcio
E não crias
que os mortos dormem
Ou que já
aguardam no Céu ou no Inferno
Co’um corpo
ressurreto seu final consórcio,
Mas sim que
os finados sonham, o real lhes some,
E os ímpios
só têm pesadelos como troféu.
Não crias no
que se dizia comum ou salutar
– Eras de
fato um calvinista bem peculiar –
Perseguido
depois, co’a restauração monárquica,
Já cego
diante de teus livros, como um Jorge Luis Borges,
Cruel ironia
e pesada sina atávica,
Deste aos
anglos versos épicos e fortes.
Alguns a
chamam quase uma segunda Bíblia,
Mas cheia de
liberdades poéticas e fictícias
Com que
narras a Criação, a Queda, a Redenção,
Fazendo da
estultícia de Satã o protagonista da ação.
Descreves sua
hordas, suas falanges:
Belzebu,
Belial, Baal, Astarote, Moloch, Mamon,
Os titãs, os
gigantes, as bestas infames,
O Pecado e a
Morte guardando as portas do Caos,
Que depois
invadem a Terra com seu terror.
Descreves os
exércitos celestiais:
Uriel,
Abdiel, Gabriel, Rafael, Miguel
E sua legião
de querubins, arcanjos e serafins
A
combater-lhes o tropel.
Descreves o
homem e a mulher
E seu mau uso
da liberdade,
A sedução, a
cobiça, por que os quer?
O fruto da
Ciência da absurdidade.
E por fim, no
Conselho Celestial,
O Filho que
se apresenta ao Pai,
Para
remi-los, Cordeiro de Deus, de todo o mal,
Fazendo-se um
deles para a sentença de Adonai!
Seu Paradise
Lost é uma canção de pranto
Mas de
esperança num mundo em ebulição.
Tu o
experimentaste com tão pouco acalanto,
Mas nos
puseste em estado de beleza e graça,
Com tua pena
de tanto esmero e inspiração.
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