sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Rapsódia de Conto de Fadas

A floresta de sombras e de segredos, em cujo centro se espraia o Lago de Prata, reino translúcido da fada Viviane, agora testemunhava um pôr-do-sol pálido, digno de luto.

Os animais, em seus abrigos, choravam em abundância.

Os canários entoavam cantatas de Bach e de Beethoven, as abelhas conduziam pálidas coroas de flores em vôo rasante.

O urso pardo, anfitrião de Cachinhos Dourados, estava morto.

Quão injusta fora a guerra contra humanos! A intromissão da realidade em sua vila de sonhos fora desgosto demasiado ao bolachudo ancião. Infarto fulminante, relatara a vovozinha. Seria ela a próxima?

Como sobreviver às tempestades e inundações, se o Reino dos Sonhos era minado, a cada dia, pela dura realidade imposta às crianças sonhadoras?

Mickey Mouse chorava desconsolado em seu jardim já revirado pela chuva amarga de dias difíceis. Uma Minnie já abatida pelos anos sem público lhe acompanhava num madrigal de revolta muda, rodeada de fadinhas lilases, que brilhavam como vaga-lumes para poder consolá-los.

As estopas multicoloridas de açúcar-candi que choviam incessantemente na primavera agora pareciam uma cruel ironia, com o inverno no coração de todos. A Casa de Doces fora demolida, pois tudo era amargo.

Alice não habitava mais o País das Maravilhas – essas universidades em cidades distantes...– Branca de Neve e a Bela Adormecida não encontraram seus príncipes encantados – esses homens de hoje, tão fúteis, tão volúveis...– Cinderela ficara para sempre trabalhando como escrava de sua madrasta – esse corte de benefícios previdenciários, esse neoliberalismo...– e o Patinho Feio nunca se transformaria num belo cisne – esses critérios de beleza inatingíveis da moda!

As crianças de Peter Pan, hoje prisioneiras da Terra do Nunca, ensinavam a Walt Disney e a Monteiro Lobato como contar novas histórias a essas crianças tão exigentes, nada crianças, nada felizes...

Agora, que Chapeuzinho Vermelho morria pelas violentas dentadas do Lobo Mau – essa violência rural! – e Pinóquio tinha sua alma eternamente presa num corpo de madeira – ah, essa vida platônica! – tudo se acabava e se desfazia, no caminho de volta para casa, nunca encontrado por João e Maria.

E o pobre menininho crescido, num quarto de hotel, na noite anterior de uma reunião de negócios, queimava os livros de Collodi, Andersen, Perrault, Lewis Carrol, J.M. Barrie, Irmãos Grimm, sem saber se seu mundo mitologizado não valeria mais a pena que seu mundo atual.

E lhe dizia a sombra pálida do Sr. Ford, ao fundo: “Menino, é tempo de crescer...”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário