sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Sonata da Angústia Imortal

Sinto que a aurora rompe em sangue. A brisa tece-me o tecido da raiva passada e o amor ruge dos cantos do Universo.

Os deuses imploram pelo âmbar dos homens.

Prometeu acorrentado é liberto, o fim está próximo.

Todas as mulheres que amei agora olham-me com piedade e espanto.

O arfar de meu peito é sôfrego e torpe. Estou morrendo.

A ânsia dos rios é o correr em minhas veias. O sangue falta-me às células.

Um dia julguei ser eterno. Mas meu século é findo, meus pais não podem proteger-me, as honras foram só ilusão. Os dias felizes estão mortos, os tristes também. A esquemia não mais é irrelevante.

Um pássaro atravessa a janela... por quê?

 Estes lençóis ainda estão quentes, talvez pela minha febre ardente, talvez pela dama da morte que me acaricia.

Não sou o que fui: estou calvo e grisalho, minha pele é áspera e ictérica. Não sou aquele menino que brincava outrora em verdes gramados, não sou mais ágil ou sonhador, não sou o homem das núpcias com minha jovem esposa, ela também repousa abaixo do chão.

Meus netos, com sentimentalismo fingido, observam as gotas do soro que caem; todos querem saber sobre meu pulso, meus batimentos cardíacos, meu miserável testamento.

Minha alma impregna-se de espelhos, labirintos, águas profundas.

Um carro passa na rua, gritos de criança me sacodem.

Sinto todas as luzes da cidade, seus bancos, edifícios e tecnologias decadentes, seus ladrões, assassinos, prostitutas, senhores sérios, políticos em campanha, tudo sempre igual...
Agora estou frio, agonia reinante do sufocamento. Figuras brilhosas flutuam ao redor de mim. Vou... volto... para onde?

Fui um guerreiro, um pária, um santo, um amante, um contemplativo amargo, e o que sou agora, e o que está morrendo. Se todos os meus antigos eus pudessem me olhar agora, o que diriam com suas bocas irônicas, irônicas e tão ingênuas, eu queria retrucar-lhes, avisá-los...

Mas é tarde, é sonho, acabou.

O tempo que me resta eu utilizo para sentir o frio do mármore, o frio fraseado do meu epitáfio.

Enfim, a vida, isto que se chama vida, que arde tão intensa e que cobra um preço tão caro, matou-me.

E digo um adeus demorado, meio apolíneo, meio órfico – como sempre vivi – com lágrimas de poeta.


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