Na
praia de Iperoig,
Escrevia
nas areias do tempo,
No
tempo da aurora de Araci,
O
apóstolo das vestes de vento.
Trajado
co’o manto negro dos jesuítas,
Cantando
à Virgem e ao seu Filho,
Andando
léguas e mais léguas aflitas,
Escrevendo
o mesmo estribilho.
Não
temia o Caramuru
A revoltar
os oceanos.
Nem
ouvia o Uirapuru
A
cantar os seus reclamos.
Sob
a luz dourada de Guaraci,
Ou
sob a luz azulada de Jaci,
Sem
crer no Caapora, na Uiara,
Rudá,
Tambatajá ou Jurará-Açu,
Não
temia Anhangá, M’Boitatá,
Não
se comovia com Anhum!
"Ele vive nos mistérios celestes,
Dizem que levita, ressuscita,
Sobe em cipós e ciprestes,
Ele reza e todo povo lhe acredita”.
Ele
trouxe o Deus de longe
Mais
poderoso que Tupã daqui.
Ele
disse que Deus mesmo veio aqui
E
lhe cravaram espinhos na fronte,
E lhe
cuspiram e lhe açoitaram
E por
fim lhe pregaram
Nos
dois paus cruzados
P’ra
que nós fôssemos salvos.
–
Ele ensinou –
O Deus
quando nasceu,
Nasceu
de uma virgem,
O
que o povo não entendeu.
Mas
o que deu mesmo vertigem
Foi
saber que o Deus era três e era um
E que
descrer d’Ele
Não
deixava caminho algum.
–
Ele ensinou –
Que
seria então dos pobres antepassados
– Rupave,
Sypave, o trapaceiro Japeusá –
Que
nunca ouviram daqueles lábios
As
boas-novas da terra de Judá?
Será
mesmo que se importava
O Deus
dos judeus, o Deus dos brancos,
Co’os
filhos desta terra de brasa viva e brava
De
bravos guerreiros vermelhos sem mantos?
Ele
nos era a prova que sim.
Ele
mesmo com calma, enquanto o mundo se acabava,
Tratava
da paz entre os tamoios e os tupis,
Isso
quando antigamente tudo terminava
Com
cabeça esmagada na clava
E corpos
assados, comidos como lambaris.
Ele
fez uma gramática da nossa língua,
Ele
falava com feras da selva, que lhe respeitavam as cãs,
Ele
sobrevivia sem pão sem água dias à míngua,
Ele
protegia nossos curumins e cunhatãs.
Ele
fundou a São Paulo de Piratininga,
Na
muralha verde da Serra do Mar.
Achavam
que era feiticeiro de mandinga
Quando
em transe se elevava no ar.
Ele
escrevia a seu primo Inácio de Loyola,
Pedindo
conselhos e orações.
Ele
fez guerra aos calvinistas franceses de outrora
Que
lhe fariam concorrência nos corações.
Ele
faria o que fosse necessário
Fosse
bom ou fosse ruim.
Fosse
humano ou proviesse do seu místico rosário,
Fosse
coisa de mangará açu ou mangará mirim.
De
Peruíbe, Itanhaém, do riacho maldito Anhangabaú,
Não
havia aldeia que não conhecesse o padre Angatu.
Se
nosso povo teve que começar assim
Foi
dos desígnios do Deus sem fim...
Às
vezes me pergunto se ele foi mesmo morrer em Iriritiba,
Ou
se em qualquer caverna no mato por onde tanto ministrou,
Transformando
o pão em corpo, o vinho em sangue,
Ele
não continue uma prédica desiludida e exangue
Por
este país torto que nunca se emendou...
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