sexta-feira, 17 de abril de 2015

JOSÉ DE ANCHIETA


Na praia de Iperoig,
Escrevia nas areias do tempo,
No tempo da aurora de Araci,
O apóstolo das vestes de vento.


Trajado co’o manto negro dos jesuítas,
Cantando à Virgem e ao seu Filho,
Andando léguas e mais léguas aflitas,
Escrevendo o mesmo estribilho.


Não temia o Caramuru
A revoltar os oceanos.
Nem ouvia o Uirapuru
A cantar os seus reclamos.


Sob a luz dourada de Guaraci,
Ou sob a luz azulada de Jaci,
Sem crer no Caapora, na Uiara,
Rudá, Tambatajá ou Jurará-Açu,
Não temia Anhangá, M’Boitatá,
Não se comovia com Anhum!


"Ele vive nos mistérios celestes,
Dizem que levita, ressuscita,
Sobe em cipós e ciprestes,
Ele reza e todo povo lhe acredita”.


Ele trouxe o Deus de longe
Mais poderoso que Tupã daqui.
Ele disse que Deus mesmo veio aqui
E lhe cravaram espinhos na fronte,
E lhe cuspiram e lhe açoitaram
E por fim lhe pregaram
Nos dois paus cruzados
P’ra que nós fôssemos salvos.
– Ele ensinou –


O Deus quando nasceu,
Nasceu de uma virgem,
O que o povo não entendeu.
Mas o que deu mesmo vertigem
Foi saber que o Deus era três e era um
E que descrer d’Ele
Não deixava caminho algum.
– Ele ensinou –


Que seria então dos pobres antepassados
– Rupave, Sypave, o trapaceiro Japeusá –
Que nunca ouviram daqueles lábios
As boas-novas da terra de Judá?


Será mesmo que se importava
O Deus dos judeus, o Deus dos brancos,
Co’os filhos desta terra de brasa viva e brava
De bravos guerreiros vermelhos sem mantos?
Ele nos era a prova que sim.


Ele mesmo com calma, enquanto o mundo se acabava,
Tratava da paz entre os tamoios e os tupis,
Isso quando antigamente tudo terminava
Com cabeça esmagada na clava
E corpos assados, comidos como lambaris.


Ele fez uma gramática da nossa língua,
Ele falava com feras da selva, que lhe respeitavam as cãs,
Ele sobrevivia sem pão sem água dias à míngua,
Ele protegia nossos curumins e cunhatãs.


Ele fundou a São Paulo de Piratininga,
Na muralha verde da Serra do Mar.
Achavam que era feiticeiro de mandinga
Quando em transe se elevava no ar.


Ele escrevia a seu primo Inácio de Loyola,
Pedindo conselhos e orações.
Ele fez guerra aos calvinistas franceses de outrora
Que lhe fariam concorrência nos corações.


Ele faria o que fosse necessário
Fosse bom ou fosse ruim.
Fosse humano ou proviesse do seu místico rosário,
Fosse coisa de mangará açu ou mangará mirim.


De Peruíbe, Itanhaém, do riacho maldito Anhangabaú,
Não havia aldeia que não conhecesse o padre Angatu.
Se nosso povo teve que começar assim
Foi dos desígnios do Deus sem fim...


Às vezes me pergunto se ele foi mesmo morrer em Iriritiba,
Ou se em qualquer caverna no mato por onde tanto ministrou,
Transformando o pão em corpo, o vinho em sangue,
Ele não continue uma prédica desiludida e exangue
Por este país torto que nunca se emendou...




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