terça-feira, 21 de abril de 2015

REV. JOSÉ MANOEL DA CONCEIÇÃO



É o filho de Dona Cândida, o filho de Manoel,
Entregue-lhe a batina, o amito, a estola,
a alva, o cíngulo, a casula, este terço, este anel,
que ele será sacerdote que fará história.


É inteligente, é bom, foi criado
por tio-avô também padre,
já sabia a mãe que seria abençoado
tão logo rompeu a madre.


Mas veja que ele gosta demais da Bíblia,
e estão a chamá-lo de “padre protestante”...
Ele literalmente “não tem papas na língua”
e prega como um Savonarola beligerante!


O bispo Dom Andrade está preocupado sobremaneira:
O que fazer para que mude a ideologia torta?
Transferi-lo a Piracicaba, Monte-Mor, Limeira,
Taubaté, Ubatuba, Santa Bárbara ou Brotas?


Diga-lhe para voltar a usar o escapulário
para escapar no último dia ao Purgatório,
a usar a medalha milagrosa de Catarina Labouré,
o Código de Direito Canônico, a permissão da Santa Sé,
que se conforme à milenar liturgia,
que defenda a Imaculada Conceição
como Bernadette Soubirous,
que clame a Santa Rita no dia de agonia,
que tenha por São Jorge especial devoção,
que beije as relíquias que Roma aprovou.


Quem ele pensa que é?
Que quer seguir um cristianismo
só prestando atenção ao Cristo
e a mais nada que lhe mande o arcebispo
e nem mesmo o Papa Gregório?
Pois que tivesse proceder mais meritório
a fim de passar menos tempo no Purgatório
e merecer a bem-aventurança eterna,
bem cimentada em obras e piedosas rezas!


Mas ele não se emendou,
e ainda passou a ter com presbiterianos,
conversava por horas com o Reverendo Blackford,
e foi este que o batizou.
Ele viu seu primeiro culto entre paulistanos
e cantou hinos de Spafford.
Professou sua fé agora com mais coragem,
já sabendo que de Roma lhe viria a voragem
a tentar tragar sua novel mensagem.


Em 1865, num claro domingo,
depois de pregar em Lucas 4.18-19,
sentindo um renovar infindo,
que finalmente sua alma absorve,
expõe em um sermão exaltado
sobre o ungido do Senhor pra curar os quebrantados.
E logo depois, aprovado unanimemente pelo Conselho,
foi ordenado o primeiro pastor brasileiro!


Percorreu a pé, de novo, todas as cidades
que percorrera como padre na mocidade,
a pregar agora, como pastor,
o Evangelho que toda a vida defendera com ardor.


Era um Saulo caindo ao cavalo, atingido pelo fulgor,
Era um Lutero entrando em guerra perigosa.
Estrondava a já esperada manifestação de furor,
que prenunciava o recolher da mão obsequiosa.


Os jornais publicaram sua sentença de excomunhão.
Em Pindamonhangaba foi insultado.
Em outra fazenda, o dono lhe pôs a perseguir um cão.
Em Campanha foi apedrejado
e deixado quase morto ao chão.


Nômade, andarilho, vivendo de pequenos serviços.
Perto de Piraí, foi preso como indigente.
Liberto, caminhou ao Rio, em busca dos amigos,
Mas caiu, à beira da estrada, sofrendo gravemente.


No hospital, recebeu roupas novas, um ralo caldo,
falava pouco, queria estar a sós com o Senhor.
Será que pensava em suas escolhas, e em seu saldo?
Em quantas almas levara a Deus, se aprendera o vero amor?


Já na manhã seguinte o encontraram morto,
enquanto dormia, despertou no Céu.
Sua alma sequiosa encontrava porto
e seu corpo encontrou digno mausoléu:
Depois de três anos do primeiro enterro
foi trasladado ao Cemitério dos Protestantes,
ao lado de Simonton, o pioneiro,
sua lápide aponta para a glória dos triunfantes.


Deveríamos nos lembrar desses pés incansáveis
e continuar a jogar sementes nos montes e nos vales...




Nenhum comentário:

Postar um comentário