sábado, 25 de abril de 2015

SARAH POULTON KALLEY



“Ensina aos teus, Espírito Divino,
Dissipa as trevas destes corações;
E com a luz do teu celeste ensino,
Vem aclarar as santas instruções.
Aviva em nós as forças da memória,
Pois sempre mais queremos conhecer
O Rei dos céus, o Cristo cuja glória
Enleva os santos anjos de prazer. Amém.”

(Hinário Novo Cântico- Hino nº 3).



Nascida em Nottingham,
Terra mística de Robin Hood,
Em que as charnecas se espalham
E as nuvens as cobrem amiúde.

A mãe morreu pouco depois do parto.
A avó lhe preparou para um internato.
E a menina lia sobre missionários em terras distantes
Como se fosse sua história em quadrinhos na estante.

Ela foi a aluna mais brilhante:
Poetisa, pintora, pianista, poliglota.
Na sala de costura, cosia roupas para pobres errantes
E acompanhava nas revistas as dores dos povos à sua volta.

Já mocinha, considerava a hipótese de se casar
(Desde que não fosse com um médico ou pastor!)
Mas queria a ironia do destino a desafiar
(Ou melhor, os desígnios do Senhor),
E seu coração outro enredo iria urdir,
Como melhor se verá a seguir.

Aconteceu que seu irmão Cecil, tuberculoso,
Fora enviado ao Egito para inspirar outros ares,
Como se a terra da Esfinge e do Quéops poderoso
Pudesse lhe insuflar melhoras dos pesares.

Todavia, as hemoptises dos pulmões escavados
Levaram o pobre rapaz a óbito prematuro.
Mas, antes disso, o pai William, desesperado,
Viajava à Síria p’ra chamar um doutor mais maduro:

Robert Reid Kalley, que já perdera a esposa tísica,
Tentaria algum último tratamento de esperança
Que pudesse devolver alguma higidez física
Ao jovem que perecia lentamente em sofregância.

Tudo inútil! Oh, mais um golpe vil
Da morte que a nossos amados vem interpor abismos!
‘Té que um dia atravessemos o derradeiro alcantil
E alcancemos o porto fulgurante dos remidos!

Depois da perda tão pesada e tão sentida,
Todos voltaram à Inglaterra alvissareira,
E Sarah, agora impressionada e comovida,
Ouvia o doutor sobre a Ilha da Madeira.

Havia um trabalho cristão lá a ser feito,
E ele o fizera sob intensas perseguições.
Sarah a cada dia o olhava com mais respeito
E o coração ansiava por mais aproximações.

Em breve o noivado, depois o casamento.
Os dois partem para os Estados Unidos
Para trabalhar com os madeirenses em afugento,
Que tanto necessitavam de cuidado em seus espíritos.

Assim ia dominando pouco a pouco o português.
A última flor do Lácio caía em suas mãos
E já ia se tornando linhas de versos a coser
Em tecidos entrelaçados, decorados de artesãos!

Então chegou a hora de virem ao Brasil:
Aportaram em Petrópolis, cidade do Imperador.
Criaram uma Escola Dominical para o público infantil,
Contando a história de Jonas e da baleia, do mar vingador...

Assim nasceu a EBD aqui, sob protestos...
Quantos não reclamaram que era dia de guarda!
Como assim, ensinar, estudar, criar projetos,
No domingo, o shabbat dos cristãos, em que a hora retarda?

Mas ela continuou...

Depois pensou em criar um grupo de senhoras.
“Mas como assim, mulheres casadas não saem sozinhas!”
E enfrentando tudo, ela reuniu onze varoas espectadoras
Para sua palestra sobre Eva, que não se ateve a seu posto de rainha,
Trocando as flores do Éden puro e a companhia do Deus vivo
Pelas mentiras da serpente e a ambição do anjo caído.

Assim era fundada a União Auxiliadora Feminina,
Dando espaço na obra às irmãs antes tão tímidas,
Que mal podiam deixar a opressão dos lares sufocados
Para servir em tantas funções neste mundo necessitado!

Mas ela continuou...

Organizou os Salmos e Hinos
– O primeiro hinário evangélico brasileiro –
Traduzindo, compondo, ministrando ensinos
Em classes de música, culinária, mas de Bíblia primeiro...

O Conselho de Instrução Pública
Escolheu seu livro Alegria da Casa
Para instruir as moças casadoiras
A manter a arte e o amor como viva brasa,
A erigir valores como paredes sólidas,
A cuidar com esmero das crianças ávidas.

Depois de muitos anos que escoaram,
Os dois velhinhos já cansados,
Deixaram este país melhor do que o encontraram,
E buscaram repouso na Escócia dos reformados,
Onde chamaram sua casinha de Campo Verde,
E passaram seus últimos dias abraçados.

Ele morreu.
Ela ainda fundou a missão Help for Brazil
(Não conseguia pensar só em sua dor,
Mas vivia para o próximo e para doar amor...)
E quase vinte anos depois do marido
Foi-se ela também ao vale conhecido
Que fica além do Jordão a atravessar-se
Como última luta do cristão a glorificar-se!



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