segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Revoada de Pássaros

I

Revoada de pássaros
Em dia de chuva gélida.

Tão tão longe do sol
A casa está de portas abertas
E a clepsidra de lágrimas fixada à parede
Como um crucifixo em meio ao vazio
No deserto de uma noite calma.

Agora posso ver pela janela
A revoada de pássaros que se dispersam em todas as direções

E que vão em direção ao infinito,
Apenas eu restando aqui.

Revoada de pássaros...
E não pense que alguém possa compreender
Que um pássaro se arraste com uma asa só
Quando seu canto morre na imensidão,
Ou quando suas lágrimas se perdem na chuva,
Ou quando os retratos da parede são folhas secas e mortas.
Mas por dentro é mais seco e mais morto
Como o asfalto de uma estrada que leva a lugar nenhum.

Já que o espinho das últimas flores
É o único ninho que se forma,
O único abrigo possível
É o grito calado pela tempestade,
A solidão que se aninha nua sobre o meu peito
E me acorda com sua carícia morta de outono ressequido.

II

Tudo hoje resplandece na natureza
Com seu par e seu espelho,
Mas não eu.

A andorinha voa baixo antes da chuva,
Tocando suas asas em outras asas,
E o pardal revira sementes com sua companheira,
Mas não eu.


O rouxinol canta com razão
A melodia que o pintassilgo transmitirá a seus descendentes,
E os pombos brancos migram como o que se espera deles,
Mas não eu.

Eu não nasci com o céu azul por dentro,
Nem tenho asas com que se desbrava nuvens.
Minha voz é apenas a última sonata
Dos ponteiros de um relógio partido.


III

Foi com ternura que observei todos dormindo.
Seus peitos arfantes durante a hibernação.
Aqui pouco permaneceram
Até a inevitável revoada.

Revoada de pássaros.
Porque nasci para ver-te,
Amo-te e odeio-te.


Lua na minha noite
E lago da minha morte,
Estou mergulhado em ti
Como a pluma nas correntezas do vento.

IV

Minha queda foi tão abrupta
Que uma inexplicável dor rasgou-me a memória,
E se hoje penso sobre os píncaros e nevascas de outrora
É a face dilacerada do tapa que me consome.

Sim, eu aprendi.
A vida é feita de matéria mais dura que a dos sonhos.

Às vezes o silêncio é a única resposta.
São amargos os ramos entre os bicos.

Tu podes enxergar
No espelho da tua lágrima
A única fresta de céu possível?

Acaso
Andas
Entre as nuvens
Libertada?

Por que teimo em guardar
A lembrança do espinho
Depois que a rosa morre?

Se vejo soçobrar,
Em decadência e desalinho,
O tempo que decorre?

A ampulheta não se extenua.
O inverno não se acalma.
Os galhos são levados pela rua.
Em teu ventre de plumagem está minh’alma.

Não esperava que fosse assim...
Que uma vida expirasse cantando...
E que se perdesse tudo ao afago de uma mão.

Foi um belo sonho, não foi, minha gaivota?
Mas foi apenas um sonho...

E se hoje me prendo à miragem antes do fim,
É que minhas asas se cortam em meio à melodia cantando,
Cantando e me apertando o coração...

 

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