Orfeu ama Eurídice
Eurídice ama Orfeu
Com eles fez-se real
O antigo sonho meu!
Orfeu era filho de Apolo e de Clio
Visitou o Egito e participou da expedição
Dos argonautas de Jasão.
Era o maior poeta antes de Homero.
Eurídice era sua esposa
A mais bela entre as mortais
Pacata, tímida, reluzente
Calada, linda, indecente.
À noite o homem que amava
Beijava cada parte do corpo lânguido
Daquela que lhe sussurrava palavras de amor
Intermináveis como a vida dos deuses e das estrelas!
E depois ela adormecia despreocupada
Deitada à luz tênue da lua,
Sua nudez de prata em delicada flor alva,
Seu torso esguio em formosura de malva.
Os olhinhos cerrados, mas febris,
Travessa, a morder as costas da mão,
As ancas em repouso, tão sutis,
A coxa fria, pés frios no chão.
Vi rouxinóis no alvo seio, certeza!
Sugando-lhe mel ao peito, roubada!
Bicando lábios mornos, rudeza!
Havia néctares na língua desta fada
E seus quadris reluziam sob a noite extasiada.
Mas um dia foi ela picada por rude serpente
E o gélido torpe ferimento expandiu-se mortalmente.
Plutão até se comoveu com as lágrimas
Do desgraçado cônjuge abandonado.
Permitiu que ele descesse aos infernos
Para buscá-la de volta, enfim,
E que a Terra parasse de ouvir tantos lamentos!
Ele ali chegou,
Rastejou pela lama negra da existência,
Assentou-se com os emudecidos na barca do Estige,
Seus poemas, sua lira, acalmaram divindades infernais,
O cão Cérbero foi lamber-lhe os pés.
O próprio Leviatã se sentiria envergonhado
Diante da nobreza daquele amor.
Mas o acordo previa que ele não olhasse para trás
Enquanto Eurídice transpunha os limites do Hades...
Todavia, ele hesitou por instantes, e olhou,
E foi assim que a perdeu para sempre.
Como um apaixonado Almeida Garret retratando Vênus
Processado por obscenidade
Ou um Machado de Assis acorrentado
Por uma sonhada e distante Capitu,
Orfeu se lamentava
Porque nunca haveria volta...
Por um único erro
Perdê-la para sempre
Lamentou-se eternamente!
Isolado numa ilha,
No cume das montanhas,
Tão, tão longe!
Se fores até lá
Irás encontrá-lo
Sentado sobre uma pedra
Chorando sobre gravetos quebrados
Há centenas de eras!
Olha desconsolado para o nada
Canta para os animais que o rodeiam
Sua tristeza é tanta que até derruba as feras
E às vezes Pã vem acompanhá-lo com a flauta.
Ele deita sobre brasas
Como sacrifício de amor
Pensa no fim do mundo
Tentando romper sozinho a onda de caos
Que corrompe sua praia de Robinson Crusoé
E navega em jangadas velhas
Pescando o monótono jantar
Enquanto sonha...
Com o negado direito de amar!
Se acaso quiseres conhecer
Alguns escritos do viúvo que pranteia
Deixo-vos alguns a seguir
Que ele abandonou sobre a areia...
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