terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O Livro Aberto do Corpo de Eurídice (das "Canções de Orfeu")

O livro aberto do teu corpo
Eu li num leito de luxúria.
Adivinhei tuas palavras
Pelos sussurros do teu índice.
Folheei com mãos macias
Os mamilos de veludo;
E, não satisfeito,
Beijei, leitor assíduo,
O ventre insuspeito
Sobre o púbis peludo.
Na boca de cerejas,
Guardavas a língua do teu idioma;
Então te traduzi
Para formas de um axioma.
Beijei teus olhos fechados,
Sucumbi a tuas faces douradas;
Desfolhei teus cabelos pintados
A rubras pinceladas,
E caímos nus e entrelaçados
No chão das almofadas.
Teu corpo era de leite,
Era de onça-pintada;
Mas as pétalas do meu deleite
Estavam na flor rosada.
Polinizei todas as letras possíveis
No tubo fecundo da literatura:
Sinuosa ciência de cantos plausíveis,
Sinuosa carne de gozo e amargura.
Em estrelas de suor que brilhavam no escuro
Escorregavam dedos sobre o instrumento delicado;
Plangentes acordes do abismo obscuro;
Coito estridente do verso lapidado.
Jóia reluzente que chamei de princesa,
Fulgor efêmero que em ficção era minha;
A primeira palavra foi minha – a chama acesa;
A tristeza enorme da alegria que eu tinha!


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