segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O Crepúsculo dos Deuses

                                       Inspirado em música de Richard Wagner
           
            Há muitos e muitos anos,
            Há séculos ou milênios atrás,
            Na aurora dos humanos,
            Num princípio fugaz.

            Nasceram os deuses e os animais:
            Dragões reinantes e serpentes submissas
            Que enchiam a terra com seus ais,
            Brotando do sangue derramado das primícias.

            Os Triceratops com seus chifres que rasgavam;
            Tiranossauros devoravam a carne crua;
            Um Brotonsauro e um Diplodocus disputavam;
            O primeiro Archeoptérix alçava vôo, buscando a lua;

            Seguido por Pterodáctilos em aluvião...
            Rastejava a ancestral das serpentes:
            Era Eva torturando o pobre Adão!
            Fruto delicioso escravizador de mentes.

            Os seres faziam o terror onipotente
            Pois diziam ser o reflexo
            De um poder transcendente,
            Criando histórias sem nexo.

            Guardava um coração áspero o escorpião;
            A tarântula era o perseguidor envolvente;
            O abutre era a vingança comendo podridão;
            O crocodilo lacrimejava em sua fúria demente.

            Ainda tudo era imperfeito
            Porque o Criador esperava o momento
            De criar o módulo perfeito
            E ungi-lo de alma imortal para a glória ou o tormento.

            Mas era cedo, se dizia.
            Em cada canto proliferava no mundo
            A saga de deuses hipócritas de falsa idolatria
            A compor um panteão iracundo.
           
            No litoral do Mar Egeu,
            Ergueu-se o alto Olimpo,
            Onde viviam os deuses gregos que odiaram Prometeu,
            Buscando com néctar e ambrosia um coração limpo.

            Rolando no melado doce da mentira prostituta,
            Era sempre festa, banquete, orgia e embriaguez.
            Os jarros de barro soltavam risos de puta.
            Todos eram loucos, megalomania e languidez.

            É Dioniso, deus do vinho e da alegria,
            Do festejo da devassidão que ama,
            Da gargalhada infantil de acefalia,
            Prazeres da carne, da mesa e da cama.

            Ao seu redor todos os outros de fino trato:
            Atena, a sábia, que se acha maior;
            Ares, guerreiro, bruto e insensato;
            Afrodite, a sedutora, libido-mor;
           
            Apolo solar, poeta e músico medíocre;
            Ártemis lunar, caçadora selvagem e lésbica;
            Hefesto ferreiro, feio, rude e míope;
            Hermes mensageiro, protetor dos sem-ética.

            Também outros deuses vomitavam vitupérios:
            O do mar, Posseidon, intolerante e irascível;
            O da morte, Hades, maquiavélico e a própria imagem do mistério,
            Reinava na casa dos mortos surdos-mudos, impassível;

            Ceres, da agricultura, mãe desiludida e desconfiada;
            Vesta, do fogo, dama de vermelho, vadia e extasiada;
            E no trono, rei e rainha de todos,
            Mais corruptos, já que possuidores de mais louros:

            São Zeus, majestoso da barba de trovão,
            Adúltero, major da tempestade e até do vento;
            E Hera, mulher de incontrolável ciúme e paixão:
            Pudera... é a deusa do casamento!

            Eles reinavam no monte decadente da Hélade.
            Ficaram conhecidos pelos quatro cantos do mundo
            Junto a musas, sereias, ninfas e festejos de Hécate.
            Mas toda inverdade vira lenda, se o percebemos num segundo...


            Longe dali, na foz do Nilo e redondezas,
            Alguns deles se chamaram faraós;
            Por uma índole de naja, cobriam-se de áureas miudezas,
            Torcendo a si mesmos em mais fundos nós.

            Rá era o Sol que ilumina;
            Tefnut, a Lua louvada pelos casais;
            Chu era o ar, que sobre Geb patina;
            Meio humanos, meio animais.

            Depois vinha Nut, o céu,
            Mulher de Geb, a terra;
            Tiveram quatro filhos mágicos ao léu,
            Que seriam os principais deuses em que tal cosmogonia se aferra:
           
            Osíris, rei morto pelo irmão, e juiz dos mortos;
            Ísis, da fértil agricultura, a mãe universal;
            Set, o invejoso irmão de Osíris, traidor de passos tortos;
            Néftis, a dama da tecelagem, ofício tão vital;

            Abaixo, Hórus, vingador da morte paterna;
            Derrubando o exército de monstros do tio Set;
            Enquanto Anúbis conduzia ao reino dos mortos toda alma eterna;
            E Thot, deus da sabedoria, ensinava os escribas, que temiam Secmet;

            Necbet, abutre do alto Egito;
            Uadite, a cobra do delta, o baixo Egito;
            Os dois unidos na coroa do faraó,
            Que se sustenta e se deleita sobre um mito.

            Até mesmo a vaca Hátor que o mundo pariu,
            Cada um se curva diante de Rá no verão;
            Os deuses têm privilégios, como os funcionários públicos no Brasil,
            E se casam entre irmãos como toda dinastia de segregação.
           
            Tinham honras de mumificação descomunais.
            Nos mausoléus e afrescos hoje enterrados,
            Multidões se ajoelhavam diante de criaturas irracionais,
            Até que na mesma estupidez em que viveram foram apagados.

            Mas o povo que lá existia
            Sabia que um dia seu ídolo morreria,
            E cada deus em uma estrela se transformaria
            Mesmo que poucas esperanças inda havia...


            Um pouco mais ao sul,
            Passando os Reinos de Cuxe e Etiópia;
            Em meados do Congo, Benin e Nigéria;
            Nas profundezas da selva ciclópica;

            Continuaremos nossa viagem;
No seio da virgem África, os nagôs ou iorubás,
            Inimigos dos haussás,
            Constituintes de nossa étnica roupagem.

            Aqui, chegados como escravos,
            Aqui, grávidas e sincretizados,
            Aqui, moendo açúcar mascavo,
            Aqui, escandalosamente libertos e silenciosamente segregados...
           
            Chamaram seu céu de Orun
            E a terra de Ilê;
            Seus deuses de orixás;
            Sua força de axé.

            Primeiro Olodumare (ou Olorum) surgiu,
            Sabedoria e força criadora da natureza.
            Foi pai de Oxalá – o orixá supremo que se erigiu,
            Deus da paz, do amor, trajado de branco e de leveza.

Oxalá, de obras tantas,
Feito de ar e de céu,
Portando o estandarte das pombas brancas,
            Pai de Aganju e de Iemanjá (a que teve destino de fel).

            Aganju, “deserto”, “terra selvagem”;
            Iemanjá, deusa das águas;
            Os dois se casaram e geraram um filho, perdido em libertinagem:        
            Orungã, “o meio-dia”, rei de Ifé, a capital das mágoas.

            Mas pela própria mãe ele se apaixonou,
            E na ausência do pai ele a violentou.
            Do ventre dela, que se rompeu,
            Nasceram quinze orixás, como lágrima que verteu:

            Dadá, deusa dos vegetais;
            Xangô, deus do trovão e da justiça;
            Ogum, deus da guerra, das disputas materiais e espirituais,
            De fúria imponente e mortiça;
            Olokum, deusa do mar;
            Olaxá, deusa dos lagos;
            Oiá – ou Iansã – deusa dos ventos e da tempestade;
            Oxum, deusa das cachoeiras e da beleza
 – enfeitiçadora de magos –
            Obá, deusa do rio Obá;
            Orixacô, deus da agricultura;
            Oxóssi, deus das matas, cobrindo de folhas as ialorixás,
            Protetor da flora e da fauna obscura;
            Oké, deus do monte que sibila;
            Ajê Xalugá, deusa da riqueza;
            Xapanã – ou Omolu – deus do sono e da varíola;
            Orun, o sol em sua grandeza;
            E Oxu, a Lua.
            Mas além desses havia mais,
            De origem incerta e personalidade crua.

            Orunmilá, o deus que joga os búzios;
            Os Ibejis, os gêmeos travessos;
            Oxumarê, o deus do arco-íris;
            Irocô, a árvore medonha de galhos macambúzios;

            E Exu, mensageiro dos deuses, entidade misteriosa.
            Era o mais temido,
            O que podia fazer o mal e deixar o povo em polvorosa.
            O serviço que outros não faziam – inimigo?
            O misterioso rei das encruzilhadas...   

           
            Mas agora subamos mais um pouco
            Para a terra de nossas origens:
            Babilônia!
A cidade prostituta, como diria a Bíblia,
            Dos imensos jardins suspensos – de Alexandre a insônia,
            Dos zigurates que brilham, mas têm a cegueira por filha.

            Onde se ergueu a pretensiosa Torre de Babel,
            Para se chegar mais perto do céu,
            E daí se confundirem todas as línguas,
            Até que a paz entre os homens morresse à míngua.

            Lá transformaram o sol em deus alado Shamash,
            A medicina era Gula, mais terrível que curadora,
            Anu, deus dos espaços celestes, se no céu se achasse...
            Ishtar, da terra e da guerra, a provedora.

            Marduck, divindade agrária, o deus supremo,
            Entre os assírios era Assur da civilização.
            Reflexo tirânico do soberano terreno,
            Guardado por touros alados, arautos da destruição...

            As jangadas mercantis da Fenícia
            Traziam mais criaturas abomináveis:
            Baal e Baalat, e sua milícia,
            Ele, o Sol – e a tempestade – ela, Vênus, a Estrela da Manhã de faces adoráveis.

            Anat, deusa guerreira sanguinária;
            El Dagon, dos rios e da chuva,
            Monstro cultuado até pelos filisteus de maneiras temerárias.
            Deidades imersas no sangue das batalhas e nas lágrimas das viúvas...

            E Engai reina na savana, o protetor dos massais,
            Bom e justo – mas vingador – na savana sob o Kilimanjaro;
            Rangda, a bruxa de Bali, vem tentar os mortais,
            Sua lança não penetra no corpo dos guerreiros em transe bárbaro,
            Tampouco é capaz de vencer Barong, a personificação do bem,
            Que face temível a todo tempo também tem!

            Na Amazônia, o boto cor-de-rosa emerge da água,
            Vira homem, e possui donzelas inocentes,
            Volta ao lago, ao lado da Iara Mãe d´água,
            A que leva os homens para sempre em seus encantos dormentes...

            O deus Tupã nas selvas tropicais,
            Dos rituais da América do Sul,
            Vela nas nuvens, protege os animais,
            Guarda os tupis – mas não os protegeu do Caramuru...

            Viajando por mares distantes,
            Até mais sonhos dantescos,
            De cinzas do Ganges d´oje e dantes,
            Vejo os mistérios duma Índia anterior aos arabescos.

            Lá Indra é o senhor dos deuses,
            Cavalga entre os espaços celestes,
            Sobre todos os dias e meses,
            A reinar sobre avencas ou ciprestes.

            Vata é o deus dos ventos;
            Marutes, das águas e dos rios;
            E Rudra, da tempestade e seus tormentos;
            Agni, do fogo e seus desvarios.

            Ganesh, com cabeça de elefante, é deus da comida e da sabedoria,
            Inspirou ao sábio poeta Valmiqui o belo Ramayana,
            E Ashura é inimigo de Indra, é treva que cobre o dia,
Enquanto Kama, o deus do amor, nos é conhecido por seu Sutra deixado por [Vatsayana.

E acima de tudo uma tríade:
            Brahma – o criador;
            Vishnu – o conservador do universo em cada miríade;
            E Shiva – o destruidor.

            Shiva era deus da morte, cruel e implacável.
            Vishnu era deus do amor, unia e harmonizava,
            Trazia a nós seus avatares, como Krishna, tão amável,
            Encarnações de seu Divino Espírito que ao mundo salvava.

            Do seu umbigo nasceu Brahma,
            Este a personificação de uma palavra:
            brahman – o Absoluto do qual tudo emana.
            Totalidade, envolve todas as coisas em sua fava.

 
















            Assim talvez pareça mais razoável;
            Com tantas crendices,
            É um tanto mais palpável
            Identificar uma única voz em nossos corações cheios de sandices.
           
            Mesmo sendo muito vago,
            Pois não sabíamos se era o demiurgo distante,
            Ou se era tudo que víamos, sentíamos, tocávamos pelo afago,
            E se tudo era um pedaço deste Criador imanente.

            Mas de novo atravessaram entidades,
            Acharam uma energia que liga os deuses,
            Chamaram-lhe shakti ou Daugi, fêmea deidade,
            Que harmonizava tudo muitas vezes.

            Outra mulher mais diabólica é Kali,
            Deusa da destruição e da morte,
            Com um colar de crânios, até que a vida cale,
            Temida esposa de Shiva, dona de nossa sorte.

            Mas há quem diga que todas essas deusas:
            Daugi, Kali, shakti e Pharvati (deusa do Himalaia),
São uma única pessoa, uma única mulher,
            Força feminina que gera vida e põe a mesa
            Do Universo, e influencia os maridos como quer...

            Os deuses das idéias hindus
            Eram tenebrosos e incompreensíveis:
            Tinham quatro cabeças, quatro braços, membros viris às vezes nus,
            Montados sobre animais sagrados inconcebíveis.
           
A eles tudo era oferecido:
            Cânticos, mantras, perfumes, incensos,
            Amuletos, saris, lenços,
            Manteiga, bolos, quitutes enternecidos.
           
Até o budismo lá nascido quis sua dose de mitologia:
            Passagens fantásticas para a história de Buda,
            Talvez para que leigos gostassem de ouvir a litania,
            Talvez para a criança entender melhor o sutta.

            Diziam que onde pisava nascia flor-de-lótus,
            Uma cobra gigante protegeu-o da chuva,
            Meditando, derrotou demônios de vários modos,
            E resistiu a cada tentação que a mente turva.

            Tentações... como belas moças,
            Filhas de Mara, o deus que rege a terra,
            Que traz a morte, e tudo escraviza num ciclo de forças,
            Que puxa ao eterno renascimento em que o homem erra.

            Mas a iluminação nos liberta,
            No prometido Nirvana,
            Mundo elevado da cessação do que enerva,
            Onde boddisattvas estão livres da lida insana.

            Avalokiteshvara, o condutor das almas,
            Com seis braços e onze cabeças,
            Ligado à Tara – deusa de indulgência e calma –
            De semelhante aspecto misterioso nas crenças.
           
Eram eles faces e virtudes
            Do mesmo Buda humilde e sábio
            Cujas palavras ensinavam reforma de atitudes
            E suplantavam a confusão dos deuses vários.


            Passando para a Pérsia – hoje Irã –
            Formou-se o clássico zoroastrismo,
            A eterna luta do bem contra o mal, noite e manhã,
            Retomada séculos mais tarde pelo maniqueísmo.

            Ahura Mazda, deus da luz,
            A quem todos aspiravam,
            Também chamado Ormuz,
            Cume da perfeição e da pureza que almejavam.

            E Ahriman, deus das trevas,
            Pai da carne, dos laços impuros,
            Mal prolongado pelas eras,
            Os corpos eram seus – e apodreciam nos pináculos dos muros...

            Assim também descreviam um completo dualismo
            Entre carne e espírito,
            De vontades e inclinações opostas,
            Tão conhecidas de nossos conflitos interiores.

            O fogo ali era adorado em praça pública,
            Talvez por queimar as impurezas,
            Atribuído ao bem, em sua natureza única
            De sempre tender para cima em labaredas de plena certeza.

            Mais além, na China dos imperadores filhos do céu,
As forças opostas de bem e mal, quente e frio, seco e úmido, masculino e feminino – o Yin e o Yang – se unem, em todas as coisas, tirando do antagonismo o véu...
E o Caminho Vazio, que quando chamado "caminho" deixa de ser caminho, é o Tao – sutil ensino,
            Que coexiste com Shang-Ti, o Imperador Celestial,
            O qual preside uma corte de mandarins, idêntica à nossa vida social.

            Um pouco mais a leste,
            Atravessando um pequeno mar ligeiro,
            Um arquipélago de divindades do este,
            Outra raça isolada que se crê superior ao estrangeiro.

            São as ilhas do Japão,
            Vindas de gerações de casais celestes,
            Que por sua vez nasceram do Caos da imensidão,
            – Pais das pólis e colinas agrestes –  

O último casal foi o mais relevante:
            Izanagi – o gênio masculino
            E Izanami – o gênio feminino,
            Esta última tão submissa quanto uma infante...

            Seus filhos são tudo que existe,
            Inclusive as terras em que o povo aino ainda subsiste,
            E também Amaterasu, a deusa solar,
            E Tsuki-no-Kami, o deus lunar.

            Lá também vivia Susanoo,
            O deus das tempestades – nipônico Xangô 
            Que foi expulso do céu por tudo destruir,
            Os domínios de Amaterasu fazer ruir...

            Mas foi um final triste, ó almas do inverno:
            Izanami morreu no último parto, o do fogo.
            O cônjuge desceu ao inferno
            E contemplou o corpo putrefato da amada, que não ouvia seu rogo...
           
            Após sair das profundezas tétricas,
            Ele se purificou num rio.
            Das impurezas nasceram divindades maléficas,
            Que se espalharam pelo mundo frio.

            Desde então cultuaram-se antepassados,
            Presenteando-se os mortos,
            Os quais influem no destino e no futuro de nossos passos,
            Punindo os nossos rumos tortos.

     
            Gerariam seus representantes deificados,
            – Família sagrada de imperadores –
            Reinado que segue intocado,
            Poder alimentado por sobrenaturais estertores.

            Como os filhos do Sol, incas e egípcios,
            Ou os reis europeus, representantes de Deus na Terra,
            Baseando uma tirania real em mitos fictícios.
            Quão útil a bandeira da fé na infantaria da guerra!

            Em outro continente, nesta direção,
            A América dos indígenas, de milhões de deuses.
            Cantando em rodas, qual ditava sua razão,
            Entoando em flautas de junco seus terríveis berceuses.
Sacrificando ao alto de pirâmides deslumbrantes,
            Tentando apaziguar os fenômenos da natureza,
            Arrancando corações ainda palpitantes,
            São os astecas da flutuante Tenotchitlán, e sua torpeza.

            A civilização do calendário do sol
            E das criações sucessivas.
            Do guerreiro jaguar sob o arrebol,
            Das penas de quetzal inda vivas.

            Lá vivia o deus da paz e do céu, Quetzalcoatl;
            E o sol, Nanauatzin;
            E a lua, Tecciztecatl;
            Tezcatlipoca, deus do frio e da chuva, e seu afim
            Tlaloc, deus da tempestade e dos vulcões,
            Iracundo e imprevisível em suas erupções.

      
            Muito mais ao norte, do outro lado do Atlântico,
            Onde crescia dos vikings o terror,
            Na distante Escandinávia, de um retrato nada romântico,
            Que mais tarde levantaria de bretões e francos o clamor.
           
            Por essas terras geladas, mais lendárias divindades:
            Odin, o supremo rei,
            Também da guerra, da sabedoria e da poesia era a deidade,
Podia se metamorfosear em qualquer animal de sua grei.

            Frigga, a rainha,
            A deusa-máter, mãe dos paladinos.
            Reinavam em Asgard, terra de intrigas e picuinhas,
            Céus dos sonhos dos meninos.

            Seus filhos os rodeiam:
            Thor, deus do trovão, e seu martelo encantado;
            Freyja, montando um gato, apaixonando os que a receiam;
            Balder – que por ser deus da luz, da alegria e da bondade, acabou assassinado...

            Um pouco mais distante, com graciosa timidez,
            Estava Nanna, personificação da perfeição,
            Que um dia de tanto pesar lhe rebentou o coração,
            Quando da morte de seu marido Balder, jovem viuvez!

            Bem ao longe, alguém observa tudo:
            É Loki, o gênio mau que matara Balder, seu próprio irmão,
            O que levanta a discórdia e o absurdo,
            Deus da mentira, da ganância e da corrupção.

            Ele tem filhos não menos assustadores:
            Hela, deusa dos mortos e dos mundos inferiores,
            Que a todos inspira pavores,
            E nos conduz por seus amplos corredores;

            Midgard, a serpente do mar,
            Que circunda todo o mundo.
            O bater de sua cauda gera ondas sem par,
            E naufraga os barcos num redemoinho sem fundo.

            E Fenrir, que era o lobo do fim do mundo,
            Que um dia engoliria o sol,
            Mergulhando tudo na escuridão e num inverno profundo,
            Bem ao gosto dos trolls.

            Sim, havia ainda os trolls, estranhos seres,
            Anões feiosos dos subterrâneos.
            Importunavam as crianças em pesadelos, às vezes,
            Cheios de sortilégios instantâneos.
                       
            Enquanto isso, no firmamento,
            O deus do dia, Dag, trazia a aurora,
            Num carro dourado, puxado por um corcel de deslumbramento
            Chamado Skinfaxi – que relinchava luz e ia embora...

            De cima também vinham as Valkírias,
            Em número de três,
            Mensageiras de Odin que iam aos campos das tílias
            Recolher os corpos dos guerreiros quando lhes chegava a vez.

            Levavam-nos ao Valhalla – o paraíso dos heróis 
            Onde só os destemidos viveriam.
            Pois em seu mundo, o que não luta se corrói,
            E por isso, sem hesitação, morriam.  


            As crenças destas raízes chegaram às tribos dos godos
            E os deuses da Escandinávia foram adorados na Germânia,
            Com nomes diferentes, entre visigodos ou ostrogodos,
            Na Bavária, na Helvécia, na Renânia.

            Mas nas florestas alemãs
            Como nos contaria uma lenda antiga
            Uma linda moça dançava entre as árvores
            Loura, herdeira dos mitos de divas nórdicas
            E as estrelas do céu caíram como a lhe banhar
            Os astros desciam do céu só para vê-la
            E o menino Adolf corria a esconder-se
            Brincava de terror com formiguinhas
            Exibia águias, selos e cruzes gamadas
            Espiava ao longe, obcecado e impotente
            A jóia de doçura tão distante
            Longe da sua posse de fúria
            Como aquela bela judia...
            Até os olhos se turvarem
            E os demônios o petrificarem como escravo
            Fazendo-o assimilar uma cultura pagã macabra
            Lançando-o nos desígnios do caos...

            A Natureza não escolhe e não harmoniza
            Ela destrói
            Irracionalmente...
           
            Final da viagem!
            Chegou o dia da revelação,
            Derrubando velhos mitos da Terra.
            Gigantes, titãs, monstros, fantasmas de perdição...
            Propagou-se uma voz perseguidora!

            Falou um único Deus, do Céu lá em cima,
            Mas tudo foi interpretado de maneira sombreada...
            Uma superestrutura foi erguida de lama e de sina,
            Como uma catástrofe que dominou uma humanidade entediada.

            Surgiu o Senhor Onipotente,
            E parecia vir com Ele o fim do mundo de então,
            Numa terrível profecia de um Apocalipse fremente,
            Segundo a escritura de São João.

            Assim os deuses foram enfileirados
            Na colina do Armagedon
            E lá mesmo exterminados
            Pelo Deus sem nome do Hebrom.

            Os animais foram calados para sempre,
            Impedidos de falar,
            Proibidos de adorar os reis de ontem em suas mentes,
            E perderam o modo de pensar.

            Sacrificados de maneira nova,
            Quando nunca era suficiente.
            E o homem, de coração faminto,
            Ainda procurava o Deus de sua mente.

            A vontade d’Ele era a lei, e o refúgio dos Seus,
            Chamara-se por diversos nomes entre Seu Povo,
            Crescia na terra chamada “dos hebreus”,
            E se espalhou pelo mundo, e reinou, Todo-Poderoso.

            Regeu completamente,
            Três vezes santificado no sol poente,
            A moral do Ocidente
            E até a conduta intransigente.

            Foi quando tentaram tomar Seu lugar,
            O primeiro anjo e mais amado,
            O servo prepotente que se recusava a ajoelhar,
            – Lúcifer, o condenado.

            O que se levantou em armas,
            E carregou hordas junto a si,
            E perdeu a guerra de baalins, egos e karmas,
            Arremessado das alturas no abismo sem fim.

            Desde aí Céu e Inferno;
            Pois lá embaixo reinava o maldito,
            O adversário, de túnica ou de terno,
            Entronizado em nosso mundo cego e finito.

            Mas um dia houve outra guerra,
            Uma guerra nos céus,
            Uma guerra que ninguém soube, por eras
            – Novos anjos rebelados e réus!

            Esta é o segredo da decadência
            De seres angelicais, pairando sobre os arquivos de Roma,
            Até que a morte nos separe da fé cega e da demência
            De um mundo fraturado e em coma.

            Foram combates eternos:
            Os que continuavam fiéis
            Contra os inimigos da nova raça de enfermos:
            Macacos sem pelo, andantes, falantes, em tropéis,
           
Que Ele pensava em criar,
            Amava com dedicação suprema,
            E do barro os fizera procriar,
            Para povoarem toda a planície terrena.

            Provavelmente tivessem uma alma sentimental
            Que os anjos desconheciam,
            Já que só sabiam obedecer, curvar suas asas de cal
            E matar – se ordenado – e os homens pereciam.

            Por isso os circundantes alados da luz cegante
            Encheram-se de ciúme e de rancor.
            Lutaram entre irmãos – carniceiros e infamantes –  
            E pai e filhos não mais se falaram sob tal dor.

            Tudo só terminou quando Lúcifer,
            Trajado de negro enevoante, se aproximou.
            Com tamanha atrocidade, maior que a vista por Júpiter,
            Todos agora eram ele, e o Dia se consumou.

            Se consumou com seu reino áspero e bestial,
            Onde chorou outra vez.
Olhou para cima e iniciou seu discurso bárbaro,
            Em tom de última réplica de tribunal:
           
            “Eu sou o Homem que caminha sozinho,
            Eu sou o homem que anda torto e tristonho,
            Sou raízes fincadas nas trevas,
            E sou cego, pois a luz Tu me negas.

            Imploro porque para mim não existe redenção,
            Nunca, ninguém me ouvirá,
            Atirado às profundezas da escuridão,
            Sem ao menos compreender Aquele que redimirá.

            Eu era um belo príncipe,
            Transformaram-me num bode horrendo;
            Eu carrego o reino deste mundo e vou vivendo,
            E inspiro no homem o afã de reinar-se a si mesmo.

            Eis o motivo de eu ser um caçador de almas,
            Querer que o mundo se venda a mim,
            Porque nada me faz feliz ou me acalma,
            Jurei corromper e perseguir, sem fim

            A nova criação que meu Pai colocara no mundo;
            Já que também para esses pobres
            Seria difícil enxergá-Lo entre as nuvens do céu iracundo,
            E seus corações se partiram como odres.

            Eu sou o irremediável castigado,
            Eu sou por tudo o culpado,
            Eu sou o eterno mal-amado,
            Eu sou Lúcifer, o renegado.”

            Neste momento o mundo se rompeu
            E o lago de enxofre se preencheu.
            Ouviu-se um grito de dor por toda a parte.
            Todos morreram, e a insensatez teve um enfarte.

            Até mesmo as manchas do passado
            Dos vários deuses do politeísmo.
            Espíritos e elementos e pedras e barro prensado
            E os homens que se vêem como deuses, num confuso panteísmo.

            E todos vimos o rosto de Deus,
            Não um Deus que me assustava e eu não entendia,
            Mas Aquele que amou, redimiu e por nós morreu,
            Oh, quanto tempo perdi em dolorosa letargia...

            Tudo isso ia sendo dito
            Entre duas pessoas que caminhavam numa praia imensa.
            Era o próprio Deus que contava que se acabara o tempo do mito,
            E um jovem anotava tudo o que Ele dizia, sob uma névoa densa.
            O jovem ouviu tudo atentamente,
            E os dois continuaram a andar.
            Como tudo se esclarecia sabiamente!
            E agora até a névoa estava a se dissipar!
            Foi então que lhe disse o Pai atencioso:
            “Vês esta praia, meu filho?
            A imensidão do horizonte e as ondas do mar tenebroso?
            Esta é a praia de tua vida, praia de drama e de idílio.”
Então o jovem viu que a cada passagem de sua vida
            Havia duas marcas de pegadas:
            As suas e as do companheiro de lida,
            Ao longo de toda aquela estrada.
            Mas notou, também, que nos momentos de tribulação,
            Havia apenas a marca das pegadas de uma só pessoa,
            Na areia revirada de lágrima seca, riso e ilusão,
            Oração, pranto, consciência e uma antiga música que ressoa... 
            Então o homem perguntou desapontado,
            Por que em tempos tristes de maré revolta
            Fora deixado a caminhar isolado.
            E foi aí que o bondoso Pai lhe respondeu:
            Isto é apenas porque em tuas horas mais difíceis,
            Eu te carreguei no colo!”  – E o jovem compreendeu...[1]


           


[1] A última estrofe é uma adaptação do internacionalmente conhecido poema 'Pegadas Na Areia', de autoria da poetisa evangélica canadense Margaret Fishback Powers.

Nenhum comentário:

Postar um comentário